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Em memória de um grande senhor

Steven Spurrier, o julgamento de Paris e o resto

Steven faleceu no passado dia 9 de Março. Era uma figura muito conhecida no mundo do vinho e fez parte do grupo de ingleses que trouxeram o vinho para o grande público, provando, escrevendo, comentando e divulgando o que de bom se fazia no mundo. Os outros foram Michael Broadbent (já falecido), Alex Liddell (com livros sobre quintas do Douro e Vinho da Madeira) e Hugh Johnson. A Inglaterra fez assim nascer a crítica de vinhos, continuada depois por uma enorme plêiade de figuras onde se destacam Jancis Robinson e Oz Clarke, entre muitos outros. Estive com Steven em vários momentos e sempre lhe notei um sincero interesse por tudo o que era novo e pelas regiões e castas que não conhecia. Recordo em especial dois momentos: em Gaia, numa prova vertical da Cockburn’s, em que os Symington fizeram questão de o convidar porque ia estar em prova o vinho que, dizia Spurrier, lhe tinha feito o clic e “empurrado” para o sector do vinho onde acabou por se afirmar como grande senhor. Era o Porto Vintage 1908 que, lembrou, o avô lhe tinha dado a provar na noite de Natal, em 1954, quando tinha 13 anos. O que aconteceu a seguir foi uma verdadeira epifania. Recordo também um dia, há uns 8 anos, em Londres, no concurso da revista Decanter, de que era organizador, em que, por indisposição do presidente da minha mesa, foi Spurrier que veio provar connosco. O outro português no júri era Luis Sottomayor, da Sogrape. Os vinhos em prova eram portugueses. A certa altura surgiu um vinho com brett (suor de cavalo) e Sottomayor disse, em português, “este até relincha…!”. Quando chegou o momento de dar as notas, na escala de 0 a 20 e passíveis de comentários, Sottomayor terá dado, creio, um 12 e Spurrier deu um 17. Aí ele perguntou: porque é que deste uma nota tão baixa? Bem, disse Luís, o vinho está cheio de brett! Ok, disse Spurrier, “a mim isso não me incomoda mas como dizes que é defeito, baixo já a minha nota”. E assim fez, sem qualquer problema. E a pessoa que tomou esta atitude era a mesma que, como Chairman do concurso, provava todas as medalhas de ouro de todas as mesas para dar o seu ok. E quando, no flight seguinte soube que iríamos provar vinhos de Setúbal não escondeu um “I’m very excited because I know nothing about this region and his varieties”. E estava a ser sincero. O seu nome ficou para sempre ligado à organização de uma prova que ficou conhecida como o Julgamento de Paris. Em 1976 colocou em prova cega vinhos franceses de topo ao lado de vinhos da Califórnia e, para espanto geral e apesar da quase totalidade dos jurados ser francesa, os americanos deram cartas. A explicação detalhada e a história das réplicas seguintes, podem ler-se na Wikipédia, Judjment of Paris (wine). Já perto da idade da reforma não resistiu à tentação de fazer o seu vinho e resolveu criar o seu sparkling wine, agora que a Inglaterra começa a revelar-se um assunto sério neste tipo de vinhos, sobretudo no sudoeste do país. É também em memória do seu gosto pelos vinhos efervescentes que para esta semana seleccionei três, um deles acabado de sair a público – Vértice – outro feito com Touriga Nacional e um champanhe que, para brindar, se mostra muito bem. Perdemos o Steven mas o mundo do vinho ficou mais rico com o que nos legou.

Sugestões da semana:
(Os preços, meramente indicativos, correspondem a valores de mercado)

Espumante Vértice Pinot Noir 2011
Região: Douro
Produtor: Caves Transmontanas
Casta: Pinot Noir
Enologia: Celso Pereira/Pedro Guedes
PVP: €50
Produzido na zona de Alijó. O vinho estagiou 9 anos em cave antes de ser colocada a rolha; a data do dégorgement vem indicada no contra-rótulo. Foram feitas 3464 garrafas.
Dica: muito delicado na bolha, complexo e rico de aroma, grande estrutura. Seco e com imenso carácter. Do melhor que temos em Portugal.

Espumante Murganheira Touriga Nacional 2011
Região: Távora-Varosa
Produtor: Caves da Murganheira
Casta: Touriga Nacional
Enologia: Marta Lourenço/Orlando Lourenço
PVP: €20
Este é um Blanc de Noirs, ou seja, um espumante branco feito com uvas tintas. Vinho de referência deste produtor, é um excelente exemplar que mostra todas as virtudes daquela zona para a produção de espumantes.
Dica: belas notas de frutos secos e pão torrado, muito cremoso na boca. Para aperitivo ou para a mesa, com marisco nobre ou peixes pouco temperados.

Champanhe Mailly Grand Cru 2011
Região: Champagne
Produtor: Mailly (Import: IVIN)
Castas: Pinot Noir (75%) e Chardonnay
PVP: €55
Em Champagne só nos melhores anos os vinhos têm a data de colheita. A designação Grand Cru identifica a zona de proveniência das uvas; também existem zonas Premier Cru (de menor valia) e outras sem qualquer qualificativo.
Dica: é, por excelência, um vinho de aperitivo, com ligeira doçura residual. Muito fino e elegante, de bolha fina e persistente.

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