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O samba de uma casta só?

Saber lidar com 250 castas não é fácil

Na ficha técnica a que acompanhou o tinto da Quinta Vale D. Maria (sugestão da semana) lê-se que o vinho tem como base vinhas que contam 41 castas diferentes. Este facto em si não tem muito de original. De facto, na região duriense são muitas as parcelas que contam múltiplas castas, todas misturadas na vinha. Sabendo-se que hoje se usa um método radicalmente oposto – cada parcela com a sua casta – podemos questionar sobre quem tem afinal razão, os antigos ou os novos produtores? Ambos têm as suas razões. A verdade é que actualmente plantam-se vinhas com as castas separadas para que cada uma seja colhida no melhor momento da maturação; na vinha velha vindima-se a eito, algumas uvas mais verdes outras mais maduras. Era na vinha que se fazia o lote. Os antigos plantavam assim porque era uma forma de defesa, quer perante as variações climáticas quer para fazer face às moléstias, “se num ano não vingam umas, vingam outras” e, desta forma, o lavrador nunca perdia toda a produção. Nos livros antigos que chegaram até nós e onde as práticas da viticultura nos são reveladas, esse método de miscelânea de castas é amplamente recomendado. Nesses textos encontramos nomes de muitas variedades de que hoje não sabemos o paradeiro e outras que nos são familiares por terem chegado até nós. O apreço que algumas castas tinham e o desprezo a que outras eram votadas não pode ser lido literalmente hoje em dia. Não nos podemos esquecer que antes da filoxera todas as castas eram plantadas directamente no solo – em pé-franco – e que após a moléstia, foi preciso recorrer aos porta-enxertos para se poder plantar vinha. Foi um novo mundo que começou e outro que desabou: descobrir a melhor adequação do porta-enxerto à casta, em função do solo, da exposição, da produtividade e da qualidade final pretendida foi uma tarefa que ainda não terminou e que gerou vinhos diferentes dos de outrora. O apreço por uma em detrimento de outra também variou ao longo do tempo, em função de modas e tendências. Esta proliferação de castas por todo o país pode ser encarada de duas formas opostas: Portugal só tem a ganhar pelo facto de os seus vinhos terem a complexidade que advém dessa mistura e é essa a bandeira que se deve erguer para mostrarmos como somos diferentes, ou, Portugal só tem a perder já que essa confusão de castas n9os dificultar a vida, sobretudo nos mercados externos. Exemplos não faltam de grandes vinhos do mundo que se associam a um leque mínimo de castas, quando não a uma só: é a Borgonha com a branca Chardonnay ou a tinta Pinot Noir, é o Loire com Sauvignon Blanc, é Chianti com Sangiovese, Barolo com Nebiollo, o Reno com Riesling, a Rioja com Tempranillo. As nossas castas, quase sempre com nomes impronunciáveis por quem não fala português, não facilitam a vida quer na exportação quer para os turistas que nos visitam. Este é um debate vivo que periodicamente se reacende. Creio que manteremos melhor a nossa identidade se conseguirmos mostrar a valia dessa complexidade, promovendo não as castas mas as regiões. É que, sem querer, podemos cair na Touriguização do país, o que seria lamentável.

Sugestões da semana:
(Os preços, meramente indicativos, correspondem a valores de mercado)

Bico Amarelo branco 2020
Região: Vinho Verde
Produtor: Esporão
Castas: Loureiro, Alvarinho e Avesso
Enologia: José Luis Moreira da Silva
PVP: €4,99
Este lote de castas funciona muito bem. O vinho é seco, é leve e está pensado para ser consumido enquanto jovem. Um bom Verde a preço acessível.
Dica: com a Primavera a chegar, este é branco para peixes e marisco, um branco alegre e com muita vivacidade.

Quinta Vale D. Maria tinto 2018
Região: Douro
Produtor: Quinta Vale D. Maria
Castas: castas misturadas
Enologia: Cristiano Van Zeller/Manuel Soares
PVP: €50
Este vinho nasce no vale do rio Torto, afluente do Douro. A quinta tem um leque alargado de vinhos mas este foi o tinto fundador do projecto. Em vários formatos a produção atinge as 18 000 garrafas. Teor álcool: 15%.
Dica: muito rico e profundo, um tinto cheio de classe, daqueles que nos ficam na memória. É caro, mas…é a vida!

Porto Manoella Tawny Finest Reserve
Região: Douro
Produtor: Wine & Soul
Castas: castas misturadas em vinhas velhas
Enologia: Wine & Soul
PVP: €14,5
Trata-se de um lote de vinhos envelhecidos em cascos de 630 litros durante 6 anos (em média). É um novo vinho (tal como o Porto Ruby agora também lançado) do portefólio da empresa.
Dica: um Porto de grande equilíbrio, fino, elegante, num bom compromisso entre juventude e algum envelhecimento. A beber levemente refrescado.

 

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