Pode ser engraçado mas não mais do que isso Aqui há uns bons anos, talvez…

Mais um grande ano para as lampreias
Do que elas se livraram…
Estivéssemos nós em 2019 e eu estaria já a fazer o balanço do primeiro mês de almoços de lampreias. Sim, esse prato radical que afasta muitos e convoca outros tantos, é o grande centro da gastro-discussão entre Janeiro e Março. No ano passado recordo-me que o confinamento começou a 16 de Março (2ª feira) e na sexta anterior estava eu a comer o arroz de lampreia para a despedida da boa vida. Todos então já sabíamos o que aí vinha e pronto, a época acabou. Quem gostou da situação foram as próprias lampreias que assim puderam, com tranquilidade, subir os rios e desovar onde era suposto. Este ano estamos ainda pior porque a restauração fechou bem mais cedo e não se vislumbra o momento da abertura. Como se diz em linguagem de café, as lampreias estão na maior, até se devem rir de tão poucas armadilhas que encontram pelo caminho. Sem restaurantes o consumo deverá cair muito; também pelo facto de pouca gente saber amanhar o ciclóstomo e os bichos não aparecerem nos mercados de peixe, é evidente que o consumo será muito mais baixo. Tristes devem estar os membros de um grupo de aficionados que sei que, nos tempos da opulência, iam religiosamente todas as quintas-feiras comer lampreia, correndo tudo quanto era restaurante. Era assim enquanto durava a época. Tristes eles, contentes elas, pois então! Se a discussão em volta do apreço pela “flauta do mar” é bem viva, não menos é a conversa à volta do vinho que deverá acompanhar o prato. Mandava a tradição que seja Verde tinto porque à rusticidade da confecção (com sangue, lembremo-nos…) correspondia um tinto áspero, de elevada acidez e que seria de difícil consumo com outros petiscos. Nunca afinei muito por este diapasão, ainda que ache que a casta tenha valor. Nos Verdes ela chama-se Vinhão mas no Douro, por exemplo, toma o nome de Sousão. É uma casta tintureira, dá por isso muita cor aos vinhos, e no Douro, com mais calor ambiente, resulta menos ácida e de taninos mais civilizados. Há assim um bom lote de escolhas na região duriense mas desta vez optei não por marcas que já há vários anos têm Sousão no portefólio – como Vallado ou D. Berta – mas por um produtor que lançou há pouco a primeira edição do seu Sousão. Os vinhos continuam a ter o seu lado rústico, quase selvagem mas o Douro amacia-os e dá-lhes um arredondamento que nos Verdes é bem mais difícil. Mesmo no Vinho do Porto a casta era usada sobretudo pelo factor cor mas hoje está a ganhar mais adeptos, nomeadamente pela boa acidez que transmite ao vinho. E em várias outras zonas do país estão também a surgir vinhos de Sousão. Nada de estranhar, as castas são por natureza viajantes e gostam de “provar” climas diferentes. Fica o desafio: junte 3 ou 4 amigos, faça um almoço de lampreia (quem sabe um takeaway…) e depois ponha à compita um Verde tinto de Vinhão e um Douro feito com Sousão. Tudo sem preconceitos ou ideias pré-concebidas. É claro que o vinagre da confecção também pode ajudar a pender a escolha para um lado ou para outro. E, já agora, como se consome aos borrifos, não há razão para se usar vinagre ordinário que, infelizmente, é o que mais há no mercado.
Sugestões declaração do da semana:
(Os preços, meramente indicativos, correspondem a valores de mercado)
Esculpido branco 2018
Região: Vinho Verde (Baião)
Produtor: A & D Wines
Casta: Avesso
Enologia: Fernando Moura
PVP: €18
Vinhas na quinta de Santa Teresa, em Baião. O mosto fermentou e estagiou em barrica. Resulta volumoso, cheio mas com acidez perfeita a equilibrar o conjunto.
Dica: muito atractivo, é um branco de meia estação. Merece copos largos e temperatura de serviço mais alta que o costume.
Vinha de Santa Maria tinto 2018
Região: Dão
Produtor: Magnum – Carlos Lucas Vinhos
Casta: Touriga Nacional, Alfrocheiro e Tinta Roriz
Enologia: Carlos Lucas
PVP: €12
Vinhas na zona de Cabanas de Viriato. De média concentração este tinto apresenta-se com grande definição, preciso na fruta e sem segredos.
Dica: intensamente gastronómico, é um tinto acessível no perfil e seguramente muito consensual. Nada de guardas. É agora que merece ser provado.
Costa Boal Sousão tinto 2017
Região: Douro
Produtor: Costa Boal Family Estates
Casta: Sousão
Enologia: Paulo Nunes
PVP: €35
Além do Douro este produtor tem vinhas em Trás-os-Montes e o portefólio inclui também Vinho do Porto. O enólogo também faz vinhos no Dão (Passarella) e Bairrada (Casa de Saima).
Dica: rústico como é suposto (feito em lagar com pisa), sanguíneo, com carácter, pensado para pratos difíceis.
This Post Has 0 Comments