Dizer que temos uma garrafa em casa não chega Um dos vinhos que seleccionei esta…
Tinto Cão, a casta enigmática
É portuguesa, é antiga mas continua enigmática
Uma recente prova de vinhos da casta Tinto Cão levantou uma série de questões importantes, quer para perceber um pouco o que é o Douro, quer para sabermos que temos ainda muito que caminhar para conhecer as nossas variedades autóctones. A casta em si, que o enólogo australiano Peter Bright gosta de chamar de Red Dog, é das mais antigas que temos conhecimento em Portugal, não se sabendo até a sua paternidade. Actualmente a ciência da genética das plantas permite identificar quem foi o pai e a mãe desta ou aquela casta. Algumas nascem por “casamentos” ocasionais e não intencionais, outras, seguindo os mesmos princípios, são geradas em laboratório. Não é o caso da Tinto Cão, presente no Douro e também um pouco no Dão. Na tal prova recente tivemos dois vinhos da Quinta dos Roques (Dão) um de 1996 e outro de 1997, o primeiro comprado há duas semanas em leilão, o outro saiu da cave de um dos participantes. Cores notáveis para vinhos com 25 ou 26 anos, aromas muito interessantes, finos na fruta e muito boa delicadeza de corpo, a proporcionarem (sem qualquer esforço) agradáveis momentos à mesa. Do Douro tivemos vinhos de quatro produtores – Quinta do Pessegueiro (Cão Danado), Costa Boal e Séries da Real Companhia Velha, além de outros sem rótulo e não comercializados. A minha primeira experiência com a casta foi com um varietal feito na Ramos Pinto por João Nicolau de Almeida, creio que da colheita de 1981, e sempre me pareceu coisa muito séria embora tenha quase tudo contra ela: produz muito pouco por cepa e é uma variedade que precisa de tempo em garrafa para se mostrar (oxida lentamente) o que vai contra a moda actual em que o vinho ou tem logo tudo o que é preciso ou passa para segundo plano. A região também não ajuda. Repare-se nestes dados só dos anos mais recentes: o ano de 2011 teve, no Douro, uma primavera 60% mais seca que a média e um verão 30% mais seco; o 2012 foi 30% mais seco no inverno mas 20% mais húmido no verão; o 2014 foi 45% mais seco na primavera e 95% mais húmido no verão; o 2015 foi 50% mais seco na primavera e 20% mais húmido no verão; o 2016 foi 125% mais húmido na primavera e 50% mais seco no verão. Que casta, podemos pensar, tem capacidade para lidar com tais oscilações? É claro que este tipo de variações origina produções muito desiguais que, no caso da Tinto Cão, podem oscilar entre os 600 gramas e um quilo por cepa. A casta perde para as coqueluches da região, sobretudo para a casta rainha – a Touriga Francesa – mas também para a Nacional e para a Roriz. Mas tem tudo a ganhar neste novo movimento de renovação dos vinhedos e de redobrado interesse pelas castas que podem ter uma palavra a dizer num futuro de inevitáveis alterações climáticas. Voltaremos a este tema em próximas crónicas, até porque é o nosso futuro vitícola a que está em causa. Mas é verdade que, a 600 gramas por pé, não vamos a qualquer lado e o Douro precisa desesperadamente de aumentar a produtividade se quer ser competitivo mas… sem perda de qualidade! Grande desafio está aqui para os cientistas da vinha.
Sugestões da semana:
(Os preços, meramente indicativos, correspondem a valores de mercado)
Adega Mayor Sangiovese tinto 2018
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Adega Mayor
Casta: Sangiovese
Enologia: Rui Reguinga/Carlos Rodrigues
PVP: €15,79 (garrafeiras e loja on-line)
Casta típica da Toscana, nomeadamente dos vinhos Chianti. Entre nós existe há alguns anos na região de Setúbal.
Dica: aberto na cor (atijolada), é uma grande surpresa, muito gastronómico e de agrado geral. Difícil mesmo é fugir dele até porque apenas tem 12,5% de álcool.
Quanta Terra Manifesto tinto 2016
Região: Douro
Produtor: Quanta Terra
Castas: Touriga Nacional e Touriga Franca
Enologia: Celso Pereira/Jorge Alves
PVP: €56,49
Também se vende juntamente com um branco Gold Edition de 2012 engarrafado tardiamente. O pack custa €113.
Dica: está agora num grande momento de prova, fino, com boa estrutura e a mostrar muitas virtudes. Uma aposta segura para momentos especiais.
Paço dos Infantes Reserva branco 2019
Região: Alentejo
Produtor: Enolea, Lda
Castas: Arinto, Alvarinho e Antão Vaz
Enologia: Ricardo Xarepe Silva/António Selas
PVP: €15
A marca existia já nos anos 80 mas depois de longo interregno é agora recuperada. Vinhas na região da Vidigueira. Fermentação em barrica de carvalho.
Dica: bom equilíbrio, com acidez espevitada e marcante, aromaticamente rico e com inegável sentido gastronómico.
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