Setúbal dá um passo em frente Tal como tinha anunciado na semana passada é hoje…
Classicismo de vários matizes
As tradições que são para manter
Os vinhos seleccionados esta semana têm um ponto em comum: de uma forma ou outra reclamam-se de uma tradição, sendo que esse conceito nos remete para um tempo antigo quando as coisas se faziam de outra forma, que actualmente, e de novo, valorizamos, respeitamos e/ou pretendemos imitar. A palavra tradição é também muito traiçoeira, tal como a palavra tipicidade. Ambas podem levar-nos a algum imobilismo, aceitando práticas antigas que hoje se têm por inadequadas, nomeadamente face aos avanços da ciência. Mas vamos por partes. O vinho Margaça está ligado a um dos maiores fenómenos do vinho em Portugal, ainda que não seja ele o beneficiado ou culpado desse fenómeno; refiro-me aos vinhos de Pias, de onde a família Margaça é oriunda e onde fez nascer o nome Pias e que procura agora (com esforço, diga-se…) colher os louros da sua originalidade. Não sendo sequer uma sub-região do Alentejo, é algo incompreensível como é que, no imaginário do consumidor, o nome Pias faz saltar as campainhas como sinónimo de vinho tinto alentejano de qualidade. A febre foi tal, nomeadamente nos vinhos bag-in-box, que hoje existem mais de 100 marcas de vinho onde figura o nome Pias. E, à custa de ter de arranjar mais um nome, qualquer dia ainda veremos Latrinas de Pias ou Lixeira de Pias e a continuar a vender como pãezinhos quentes! É quase tudo irracional neste assunto, quando alguns desses vinhos nem alentejanos são. Um verdadeiro mistério. O que trazemos é, então, o verdadeiro detentor do nome Pias. O Periquita Clássico bem pode reclamar-se do epíteto, uma vez que foi feito à antiga, com engaço, sem madeira nova e com longo estágio antes de ser vendido. Era mesmo assim até finais dos anos 70 e recordo-me de alguns vinhos de outras regiões (Tejo, Lisboa) que indicavam mesmo a data do engarrafamento em que se percebia que chegava a haver um intervalo de 10 anos entre a colheita e o engarrafamento. O estágio em garrafa podia até prolongar-se por décadas (caso dos Garrafeira C.R.&F.). Era um tempo sem pressas e em que se dava ao vinho todo o tempo que ele queria e que a tecnologia da época exigia. O vinho do Esporão tem duas particularidades: é feito em talha, algo que os enólogos da casa tiveram de aprender porque “aquele” saber não se ensina nem nos livros nem nas universidades, é uma técnica muito ingrata porque, se os preceitos não forem todos cumpridos, o rebentar da talha é o mínimo que pode acontecer; a segunda particularidade é a casta: Moreto é (ou era, até agora) nome proscrito nas castas tintas e algo desinteressante do ponto de vista da moderna enologia. No entanto o renovado interesse pelas talhas veio mostrar que a Moreto é, afinal, bem mais capaz do que se pensava e por isso tem todo o lugar nas novas tendências. Não deixa de ser verdade que é na Granja-Amareleja que a Moreto melhor se exprime e que o facto de lá dar boa conta de si não significa que o princípio seja válido para todo o Alentejo. Mas…não é disso que se trata quando falamos de terroir?
Sugestões da semana:
(Os preços, meramente indicativos, correspondem a valores de mercado)
Margaça Reserva tinto 2018
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Soc. Agr. de Pias
Castas: Aragonez, Petit Verdot e Sousão
Enologia: Renato Neves
PVP: €10,99
Teve um ano de estágio em barrica. Tinto amplo, com muita fruta negra e boa madeira a envolver o conjunto. É vinho para o inverno e tem capacidades para ser guardado em cave.
Dica: um prato de enchidos regionais ou feijoadas de forte tempero (de javali?) podem ser parceiros ideais para este tinto.
Esporão Vinho de Talha tinto 2018
Região: Alentejo
Produtor: Esporão
Casta: Moreto
Enologia: David Baverstock/Sandra Alves
PVP: €25
As uvas têm origem numa vinha com 80 anos, em pé-franco, localizada em terrenos arenosos. Fermentou, com engaço parcial, em talha revestida a pez.
Dica: muito bom exemplar de vinho de talha, rústico, austero, longe de modas. Aqui respira-se o Alentejo de outrora.
Periquita Clássico tinto 2014
Região: Reg. Pen. Setúbal
Produtor: José Maria da Fonseca
Casta: Castelão
Enologia: equipa da José Maria da Fonseca
PVP: €25
É a sétima edição desde clássico que começou em 1992. Feito com engaço, estagiado 2 anos em madeira usada. A produção ronda as 7 000 garrafas.
Dica: é um tinto com um lado rústico muito agradável mas que tem a harmonia necessária para ser grande parceiro à mesa.
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