E, se recuarmos muito, só paramos na Bíblia Acontece com frequência. Temos tendência a pensar…
Os brancos da madeira
Uma revolução que tem 30 anos
A relação entre os vinhos e as barricas, ou tonéis, é ancestral. Para quem tiver memória é fácil recordar que nas casas dos lavradores sempre existiram tonéis, grandes ou pequenos, para armazenar e/ou fermentar os mostos, quase sempre sem qualquer diferença entre técnicas de brancos e de tintos. Havia assim um tonel para os brancos e outro para os tintos. Barricas ou tonéis novos só quando já não era possível usar mais os antigos. Este modelo funcionou durante séculos. Bem mais recente é a relação entre madeira nova e vinho. No caso dos brancos, creio que em Portugal terá sido em 1986 que pela primeira vez se vinificou um branco (de Chardonnay) em barrica nova, da marca Cova da Ursa À luz dos nossos conhecimentos e gostos actuais este branco seria quase imbebível, algo a que chamaríamos, e bem, um “destilado de carvalho”. Os tempos mudaram, a ciência evoluiu, hoje sabemos muito, mas mesmo muito mais sobre madeiras, tostas e tudo o que gira em torno do tema. Por essa razão os brancos de hoje, fermentados ou estagiados em madeira, são incomensuravelmente melhores, mais bem-feitos, mais límpidos e mais respeitadores da uva do que eram nos anos 80 e 90. A apologia do “antigamente é que era bom” e dos “velhinhos é que sabiam” não se aplica de todo a este tema. Como já passaram 30 anos, ficámos a saber que a gestão de barricas novas, nomeadamente para brancos, é assunto muito importante. Que quantidade de vinho vou colocar na madeira nova? 100%? 50%% mais, menos? E devemos usar com que capacidade, sabendo-se que quanto menor ela for, maior o “peso” da madeira nos aromas e sabores do vinho final? Vamos usar meias barricas de 225 litros (bordalesa), borgonhesa (228 l), de Cognac (300 l) ou maiores? Vamos escolher carvalho francês (ou húngaro e russo, entretanto vulgarizados), americano ou português? Vamos optar pelos grandes formatos, como os foudres alsacianos ou pelos tonéis feitos com carvalho da Eslovénia, da célebre marca italiana Garbellotto? As opções são imensas e os preços também, podendo chegar uma meia barrica a custar mais de €1000. Ora, basta fazer as contas, se dessa meia barrica bordalesa resultarem cerca de 300 garrafas, estamos a falar de uma incorporação de €3,33 por garrafa. Serão assim outras (muitas outras) as razões que podem levar um vinho a ser muito caro mas seguramente o preço da barrica não é o que pesa mais. Mesmo nas regiões onde tradicionalmente se usava mais barrica nova nos brancos (Borgonha, p.e.) a qualidade e pureza da fruta que hoje se consegue nada deve à tradição. A gestão das barricas usadas, fundamental em algumas regiões de brancos como a Alsácia, o Loire ou o Mosela, e os cuidados que agora se têm, estão a anos de luz dos métodos antigos. Fazia-se “porque sim” ou porque “os meus antepassados era assim que trabalhavam” e muitas vezes tudo se estragava porque “tive azar”. É verdade, hoje conseguimos manter as técnicas antigas porque sabemos muito mais. A enorme qualidade dos vinhos é assim tributária da evolução do saber. Para irritação de alguns, mas isso…
Sugestões da semana:
(Os preços, meramente indicativos, correspondem a valores de mercado)
Poças Reserva branco 2019
Região: Douro
Produtor: Manoel Poças Junior
Castas: uvas de vinhas velhas (70%) e Arinto
Enologia: Jorge Pintão/André Barbosa
PVP: €18
O vinho tem origem em uvas do Douro Superior, em solos mistos de xisto e granito. A fermentação e estágio decorreram em barrica.
Dica: muito elegante na fruta citrina, uma grande frescura ácida na boca, tudo se conjugando para uma prova de enorme prazer, com um trabalho de barricas exemplar.
Coelheiros branco 2019
Região: Alentejo
Produtor: Herdade de Coelheiros
Castas: Arinto (85%) e Antão Vaz
Enologia: Luis Patrão
PVP: €10
Produção limitada a 1000 garrafas. Parte do vinho fermentou em barrica e tonel e estagiou depois 6 meses sobre borras finas.
Dica: este é um branco acessível no perfil, intensamente gastronómico, da família dos “mais para beber do que para falar”. Boa harmonia de conjunto.
Santa Vitória Reserva tinto 2018
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Casa Santa Vitória
Castas: Touriga Nacional, Trincadeira, Syrah e Cabernet Sauvignon
Enologia: Patrícia Peixoto/Bernardo Cabral
PVP: €10
Vinhas no Baixo Alentejo, numa herdade que também produz azeite entre outros produtos. Tem uma gama muito alargada de vinhos no portefólio.
Dica: muito fresco, para o que ajudam também as notas verdes do Cabernet Sauvignon, resulta muito alegre, fácil e pronto a beber.
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