Devagar que tenho pressa Quando assistimos ao arranque de um novo projecto de vinhos, sobretudo…
Vamos dar uma folga à Touriga Nacional?
Até nas castas os exageros são perigosos
A Touriga Nacional é uma das grandes castas tintas nacionais. Sobre isso estamos conversados. Foi uma variedade muito importante no Dão no século XIX, sendo localmente conhecida por Tourigo. Também existia na Bairrada com o nome de Preto Mortágua e no Douro encontrava-se nas vinhas velhas. A filoxera foi-lhe madrasta e fez com que quase desaparecesse do Dão, ao que parece por não se ter dado bem com os porta-enxertos então usados. Só nos anos 80 do séc. XX é que renasceu, beneficiando dos estudos e melhoramentos genéticos levados a cabo pela equipa dos Professores Antero Martins e Nuno Magalhães. Foi assim que, inicialmente no Douro e Dão, se viu renascer a casta e, com os sucessos alcançados nesse melhoramento, deu-se a sua disseminação por todo o país. Foi nos anos 90 que começaram os vinhos do Douro e indicar a casta como fazendo parte dos lotes. Dizia-se então que era “a casta mais plantada nos contra-rótulos” tal a quantidade de marcas em que era mencionada e a pouca vinha que lhe correspondia. Creio que os primeiros varietais surgiram mesmo só nos inícios dos anos 90, muitas vezes ainda com carácter experimental. De então para cá foi a loucura: a casta espalhou-se por todas as regiões sem excepção, cresceram exponencialmente os vinhos varietais e os grandes tintos passaram a fazer questão de se afirmar (também) por terem Touriga Nacional. A fama chegou lá fora e até em Bordéus já foi admitida como casta a poder ser incluída nos futuros encepamentos que terão de fazer face às alterações climáticas. Bom, então qual é o dilema que esta expansão traz? É um problema que deriva de uma das virtudes da casta, ou seja, o seu aroma. Na verdade, o lado floral, como notas de violetas e o lado frutado com notas de bergamota (um citrino pouco cultivado entre nós), fazem com que os vinhos fiquem fortemente marcados, mesmo quando a Touriga não entra em percentagem elevada. É verdade que, assim como não se pode criticar um tinto de Bordéus por cheirar a Cabernet Sauvignon, não se pode criticar a Touriga Nacional por cheirar a bergamota (o aroma do chá Earl Grey). A questão se que se coloca é que, sobretudo no Douro, o uso e abuso da casta afunilou muito o perfil dos tintos, tradicionalmente sustentados por um lote de castas que funcionavam bem entre si, sem protagonismos. Onde antes tínhamos uma orquestra que tocava afinada, temos agora um quarteto sempre com um solista. A recente prova que efectuei de 1000 vinhos para um guia do Douro, mostrou que, até tintos de PVP a rondar os €2 e €3…também cheiram a Touriga. O que se pede é mais bom-senso aos enólogos, sobretudo nos vinhos de lote: há que ter a mestria de ser capaz de fazer um Douro, antes de fazer um tinto que cheira à casta e que poderia ser do Douro ou de outra qualquer região. A Touriga até pode ser “o sonho de qualquer enólogo”, como em tempos Manuel Vieira (enólogo) lhe chamou, mas vamos precisar de dar uma folga à Touriga ou puxar as orelhas aos enólogos para voltarmos a ter tintos do Douro que, antes de mais, respeitem o local onde nasceram e esse respeito aponta muito mais para a orquestra. E às vezes nem é de câmara, é mesmo sinfónica!
Sugestões da semana:
(Os preços, meramente indicativos, correspondem a valores de mercado)
Quinta Várzea da Pedra Reserva branco 2016
Região: Óbidos
Produtor: Quinta Várzea da Pedra
Castas: Fernão Pires e Arinto
Enologia: Rodrigo Martins
PVP: €14,95
Vinhas perto da serra de Montejunto. Este branco fermentou em barrica de carvalho. É uma empresa familiar que se iniciou na produção em 2015.
Dica: está no melhor momento de prova com fruta madura, um bom amanteigado na boca e um perfil perfeito para a mesa, para peixes gordos.
Prova Régia Arinto branco 2019
Região: Bucelas
Produtor: Sogrape Vinhos – Quinta da Romeira
Casta: Arinto
Enologia: António Braga
PVP: €4,99
Marca criada nos anos 90. A casta nasceu exactamente aqui em Bucelas, antes de se espalhar por todo o país. O vinho é feito em inox e aí estagia por 3 meses.
Dica: ambiente aromático de vegetal verde, o vinho tem volume e excelente acidez. É assim um grande companheiro da mesa.
Vidigueira Antão Vaz branco 2019
Região: Vidigueira
Produtor: Adega Coop. Vidigueira
Casta: Antão Vaz
Enologia: Luis Morgado Leão
PVP: €4,29 (na adega)
A casta é um ex-libris da Vidigueira e uma das variedades mais importantes da região, frequentemente em lote com a Arinto.
Dica: algum fruto tropical no aroma, fruta madura, tudo com elegância. Muito bom o registo na boca, envolvente e macio. Um pouco menos de álcool não lhe faria qualquer mal.
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