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Verdelho de cheiro a mar

As ilhas surpreendem bem mais do que pensamos.

Da Madeira sempre nos habituámos a beber vinhos generosos. Esses são o ex-libris da ilha, vinhos que, na sua melhor expressão, são eternos. Actualmente a Madeira é sobretudo povoada pela casta Tinta Negra, uma variedade que dá boa produção e com a qual se fazem bons vinhos. Já a tradição apontava como castas principais as que, nos tempos que correm, mais perigo correm de extinção. Referimo-nos ao Terrantez, Verdelho, Malvasia (em várias versões) e Sercial. Há já muitos anos que outras se eclipsaram da ilha, como a Moscatel, Listrão e Bastardo, hoje existentes em quantidades microscópicas. No entanto, uma se destaca por ter conhecido renovado interesse: a Verdelho, agora e cada vez mais usada também para fazer vinhos DOC e não apenas vinhos generosos. Por essa razão escolhi para hoje três vinhos de Verdelho, um da Madeira e dois dos Açores. As ilhas açoreanas têm conhecido um enorme crescimento da área de vinha (sobretudo no Pico) em consequência do reconhecimento pela UNESCO da paisagem daquela ilha como património mundial. As várias outras ilhas também há vinha, como São Miguel e Terceira e é desta última que nos surge um branco da zona dos Biscoitos, pequena em área mas, tal como a do Pico, igualmente impressionante. A cooperativa local tem tido o apoio técnico e comercial de Anselmo Mendes e Diogo Lopes, o que tem permitido trazer estes vinhos para o convívio dos enófilos que de outra forma nunca os chegariam a provar. Os Açores (onde de facto existem as vinhas mais ocidentais da Europa) têm também outras variedades que se julgavam quase perdidas como Terrantez do Pico e Arinto dos Açores, diferentes de outras com nomes semelhantes. Do Pico chega-nos também um licoroso, uma das grandes originalidades da ilha, que tanto pode surgir sem aguardentação e com graduação surpreendentemente elevada, como pode – caso do que hoje sugiro – ser feito à moda dos outros generosos, ou seja, com interrupção da fermentação pela adição de aguardente. Este resulta de um lote de três colheitas diferentes, com uma média de 10 anos. Estes vinhos e sua originalidade têm interessado vários produtores do Continente, como Paulo Laureano e Antonio Maçanita, este último com um projecto de grande dimensão na ilha que tem ajudado a que neste momento a área de vinha se tenha multiplicado várias vezes, recuperando antigas curraletas que estavam já cobertas de mata. Não se estranha assim que, actualmente, a área de vinha dos Açores (cerca de 900 ha) já seja o dobro da área da Madeira. Os vinhos são originais e não podem ser provados com os narizes e paladares tradicionais. Aqui há que abrir o espírito e estar preparado para ser surpreendido. Os preços são elevados mas se se pretende que haja renovado interesse nas vinhas e na produção, não há outra forma de fazer as coisas. E, felizmente, quer na Madeira quer nos Açores, há mais produtores a apostar na Verdelho. Espera-se que, a seguir a ela, outras tenham o seu renascimento.

Sugestões da semana:
(Os preços, meramente indicativos, correspondem a valores de mercado)

Magma branco 2018
Região: D.O. Biscoitos (Ilha Terceira – Açores)
Produtor: Coop. Agríc. dos Biscoitos
Casta: Verdelho
Enologia: Anselmo Mendes/Diogo Lopes
PVP: €18
A zona dos biscoitos é a referência dos vinhos da lha Terceira, com solos semelhantes e usando os mesmos métodos de cultivo da ilha do Pico.
Dica: fruta madura, excelente volume e acidez. Um branco intensamente gastronómico.

Atlantis branco 2018
Região: D.O.P. Madeirense (Madeira)
Produtor: Madeira Wine Company
Casta: Verdelho
Enologia: Francisco Albuquerque/Rui Reguinga
PVP: €15
Numa vinha especificamente pensada para gerar vinhos não generosos, na parte sul da ilha, é um branco original e afastado de modas.
Dica: salino, elegante de corpo, leve evolução aromática, tudo a pedir mesa e frutos marítimos e nada de esplanada.

Licoroso Ilha do Pico 10 anos
Região: D.O. Pico (Açores)
Produtor: Coop. Vitivinícola do Pico
Casta: Verdelho
Enologia: Bernardo Cabral (desde 2017)
PVP: €47
A Coop. foi fundada em 1949. Este licoroso tem uma graduação moderada (17,5%) e uma doçura que é metade da habitual no Vinho do Porto (66,8 gr/litro).
Dica: muito harmonioso no aroma com frutos secos e licores. Como é meio-seco funciona muito bem como vinho de sobremesa. Surpreendentemente elegante e bem menos radical que outros licorosos da ilha.

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