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Regressar às origens

Aproveitar o que o vírus pode trazer de bom

Estamos a viver tempos complicados e a assistir a fenómenos que nunca ninguém concebeu. Só se ouve falar do incerto futuro que nos espera e ninguém imagina exactamente como a coisa se vai recompor. Como dizia uma amiga/companheira de trabalho um destes dias na sua página do Facebook, “I want my life back”. É provável que não volte tão cedo a ser como era, o bem-bom do viaja para onde quer e vai ao Michelin, da gastronomia de luxo e dos produtos sempre à disposição importados sabe-se lá de onde. No caso dos vinhos irá mudar também muita coisa. A situação que vivemos agora – e deixemos, para já, de lado a magna questão da exportação – trouxe à tona uma questão relacionada com as formas como os vinhos são hoje vendidos e chegam ao consumidor final. Se o produtor tem uma produção que já ultrapassa, digamos, as 10 000 garrafas/ano, o mais provável é que procure arranjar um distribuidor que lhe coloque os vinhos nos pontos-chave, que vão desde a restauração até às garrafeiras. Perdeu-se muito o hábito de ir directamente ao produtor comprar o vinho. Por um lado percebe-se a posição do distribuidor que não quer que o produtor venda à porta com desconto, dinamitando o negócio do distribuidor e isso leva a que muito produtor se veja obrigado a vender ao preço da prateleira, quando a ideia seria exactamente vender mais barato à porta. É verdade que ir ao local, conhecer quem faz o vinho e ficar por dentro da história que cada colheita encerra é bem mais gratificante do que comprar vinho numa grande superfície. Essa relação quase se perdeu e pode estar na hora de a ressuscitar. Abundam as histórias de produtores que se sentiram defraudados na relação com o distribuidor, não faltam os relatos que distribuidores que “ficaram a arder” com calotes dos restaurantes, enfim uma enorme cadeia que assenta na perversa máxima do “pagar e morrer, quanto mais tarde, melhor…”. Neste clima do ninguém paga a ninguém (e dá já para imaginar o que aí vem quando isto passar…) é tempo de se voltar a olhar para quem produz, conhecer a paisagem, ver as vinhas e acreditar que é possível dar a volta a este ambiente deprimente e desumano do paga pouco, desconto no cartão, promoção da semana e por aí fora. Todos os produtores que costumo referir nestas crónicas, e os desta semana não são excepção, estão abertos a este contacto com o consumidor, ou com enoturismos abertos, ou lojas ou através de simples contacto telefónico prévio. Que fique claro que o consumo de um vinho cuja origem conhecemos, cujas vinhas visitámos e de cujo percurso histórico ficámos por dentro, o consumo desse vinho ganha a tonalidade humana e cultural que todos gostamos de lhe associar. É nessa altura que ganha mais sentido a frase que diz que “o vinho é a parte intelectual da refeição”. E quanto mais o soubermos menos quantidade o consumimos, porque cada vez que o levarmos à boca entramos num túnel do tempo e da memória. Essa é a viagem que queremos, é assim que desejamos sentir o vinho.

Sugestões da semana:
(Os preços, meramente indicativos, correspondem a valores de mercado)

Manoella branco 2019
Região: Douro
Produtor: Wine & Soul
Castas: Gouveio, Viosinho, Rabigato e Códega do Larinho
Enologia: Wine & Soul
PVP: €12,90
As uvas têm origem no vale do Pinhão em vinhas velhas com mais de 50 anos. Vinificação em inox e estágio 6 meses sobre borras. Feitas 22 500 garrafas e 200 magnuns.
Dica: frutado no aroma, de acidez ponderada e corpo elegante é um belo branco de Primavera/Verão. Graduação moderada de 12%.

Esporão Private Selection Garrafeira branco 2018
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Esporão
Casta: Sémillon (por cá conhecida como Boal)
Enologia: Sandra Alves e David Baverstock
PVP: €20
Fermenta em barricas novas de 550 litros e aí fica em estágio 6 meses sobre borras. Tem também um estágio de 6 meses em garrafa.
Dica: fruta requintada, barrica de grande qualidade, volumoso e cheio mas sem perder a elegância. Sairá beneficiado com copos largos e temperatura de serviço cerca dos 12º.

Equinócio Botticella branco 2016
Região: Alentejo Portalegre
Produtor: Cabeças do Reguengo
Castas: vinte castas de vinhas centenárias
Enologia: João Afonso
PVP: €22 (no local)
Tem origem nas vinhas velhas da serra de São Mamede. O nome “botticella” (no contra-rótulo) identifica o tonel novo de 1000 litros onde fermentou. Existe outro 2016 que indica “5 barricas velhas”. Ambos bio.
Dica: um grande branco, sério, com muita estrutura e acidez exemplar, um hino às vinhas velhas mas feito com metodologia nova e inteligente.

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