Dizer que temos uma garrafa em casa não chega Um dos vinhos que seleccionei esta…
A história por contar
Com fim triste mas passado glorioso
A Carvalho, Ribeiro & Ferreira foi uma empresa marcante na história dos vinhos portugueses do século XX. Fundada em 1888 por Francisco Ribeiro de Carvalho e, até 1900, juntou mais dois sócios que também deram nome à empresa. Desde o início que o negócio era de armazenista: compra de vinhos e aguardentes a granel e posterior venda, com ou sem marca. Nos anos 30 do século passado a firma foi vendida a cinco novos sócios que mantiveram o nome, já então com prestígio no mercado. Além das aguardentes vínicas (de que hoje seleccionamos a mais recente edição), também comercializava brandies (a conhecida marca 1920), vermutes, vinhos do Porto, vinagres, moscatéis e espumantes. Na segunda metade do século passado foi também proprietária de quatro quintas que produziam com marca própria – Sairrão (Douro), Serrado (Dão), Seminário e Folgorosa, ambas na Estremadura. Muito célebres ficaram os seus tintos Garrafeira, cuja primeira edição remonta a 1933. Havia 2 a 3 edições por década, com quantidades enormes, a ver pelos padrões de hoje: 250 000 garrafas em 1991 e 1988, 600 000 em 1980, 300 000 em 1974. Eram vinhos que, já engarrafados, estagiavam longamente nas caves da empresa no Carregado até irem para o mercado. As caves ficaram submersas nas grandes cheias de 1967 mas as pilhas, bem organizadas, mantiveram-se intactas. Era outra época e outro mundo: vinhos com algum estágio em cimento ou tonel antes do engarrafamento e o escoamento era lento, dada a quantidade em cave. Nos anos 90 visitei as instalações no Carregado e a capacidade de armazenagem era impressionante. Nos anos 60 existia também a prática de voltar a abrir as garrafas que já estavam há muito em cave, decantar e voltar a engarrafar; algumas delas têm esta indicação no rótulo. O tempo tinha outro significado: em 1977 a empresa estava a começar a vender o Garrafeira de 1949, estando, à data, mais quatro edições “à espera de vez”. A última edição foi de 1988. Existiu ainda um 1990 mas que, dizem-nos, foi uma fake edition, um vinho muito fraco que não honrava os pergaminhos. A edição de 91 foi vendida e comercializada por um Clube de Vinhos. Estes Garrafeira eram presença obrigatória em qualquer restaurante que tivesse aspirações, existiam abundantemente no mercado e é por isso que hoje ainda aparecem regularmente em leilão. As aguardentes não lhe ficavam atrás na fama: da bagaceira faziam-se 250 000 garrafas/ano, da 1920 cerca de 600 000 e da Reserva faziam-se 120 000. A empresa detinha ainda uma marca fortíssima – Serradayres – uma presença constante na restauração. No final da vida a C. R. & F. foi adquirida pela Seagram e desmantelada. As marcas foram vendidas, os Garrafeira nunca mais foram editados e no final do século calou-se uma das mais emblemáticas empresas graneleiras que o país conheceu no século XX. Actualmente as aguardentes são da responsabilidade da empresa de João Ramos/José Maria Soares Franco e, em prestação de serviços, engarrafadas pela família Symington.
Sugestões da semana:
(Os preços, meramente indicativos, correspondem a valores do mercado)
Oh Carlos Manuel ! tinto 2015
Região: lote de Dão com Douro
Produtor: Carloto Magalhães/Manuel Vieira
Castas: Touriga Nacional das duas regiões, mais Alfrocheiro, Alicante Bouschet e Touriga Franca.
Enologia: Carloto Magalhães/Manuel Vieira
PVP: €40 (Garrafeiras Tio Pepe e Garage Wines, no Porto)
Dois enólogos, uvas de duas regiões contíguas, o melhor de dois mundos. Touriga Nacional e Franca (Douro) estagiaram em barrica nova.
Dica: um tinto de grande sentido gastronómico, elegante, muito bem proporcionado. Quando reparamos, a garrafa já está vazia…
Bacalhôa Moscatel de Setúbal 2017
Região: Moscatel de Setúbal
Produtor: Bacalhôa Vinhos de Portugal
Castas: Moscatel de Alexandria (ou graúdo)
Enologia: Filipa Tomaz da Costa/Vasco Penha Garcia
PVP: €5,99
Os moscatéis colheita são a melhor relação preço/qualidade que existe no mercado. O preço deste excelente vinho é escandalosamente baixo, o que não dignifica a região.
Dica: vinho de sobremesa, a beber ligeiramente refrescado. Um achado.
C. R. & F. Aguardente Vínica Velha Reserva Extra
Região: s/ indicação de região
Produtor: Carvalho, Ribeiro & Ferreira
Castas: não indicam
Responsável técnico: José Maria Soares Franco
PVP: €40
As aguardentes velhas resultam de lotes de várias idades e proveniências. Por isso a ausência de data não é factor negativo. É o tempo em casco que determina as diferenças.
Dica: tem nova imagem e mais estágio em madeira. Aroma com boa complexidade, com frutos secos, caramelo e notas de madeira. Suave e delicada na boca. Bebida de fim de noite.
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