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O bom vinho é uma arma…

Neste caso, contra o fundamentalismo

Junto-me ao coro dos que lamentaram a partida prematura de José Mário Branco. Foi sobretudo o músico e o homem de convicções que me tocaram mais. Lembro-me da música, supermilitante, de “A cantiga é uma arma” e dela retenho a ideia de compromisso e de combate por ideias e projectos. No caso dos vinhos há um combate deste tipo em curso e é dele que me interessa falar. O assunto prende-se com a proliferação de vinhos que chegam ao consumidor com o epíteto de “naturais”, assumindo-se como a verdadeira expressão do terroir, sugerindo, ou insinuando, serem os verdadeiros vinhos do lavrador, os únicos que não usam químicos e, por via disso, os mais puros. À falta de regulamentação do que é, ou não, “vinho natural” cada um diz o quer ao sabor dos ventos da moda. Há aqui muita confusão e uma fronteira ténue entre ciência e crendice. Vamos por partes: em primeiro lugar o vinho “natural” não existe porque ele não se faz sozinho, não é uma dádiva da natureza, é produto da intervenção do homem; sem intervenção iremos ter vinagre e não vinho. Existe, logo de seguida, a acusação forte aos produtores de vinhos “industriais” de usarem e abusarem dos químicos na vinha e na adega, dos pesticidas aos sulfitos. Eles, os defensores da não intervenção, apenas usam cobre e enxofre que, como se sabe, também são químicos. Parece haver assim uns químicos bons e outros maus ou, como me disse o produtor Marcel Deiss (Alsácia), existem os vinhos cristãos (os dele) e vinhos protestantes. Haja paciência! Um dos pontos de maior clivagem é o uso de sulfitos, sob a forma de anidrido sulfuroso ou metabissulfito, um poderoso conservante e preventivo de oxidações, indispensável se queremos que o nosso vinho viva bem em cave. A não ser que se volte às cavernas, não se vê bem como se vive actualmente sem sulfitos, usados em todos os conservantes dos nossos alimentos, da cerveja aos amendoins, do fiambre à maioria dos produtos embalados, basta ler as embalagens em qualquer supermercado. Usado desde o tempo dos romanos, há quem ache que os sulfitos são veneno. Os sulfitos são, o cobre com que se carrega a vinha e permanece como metal pesado no solo, não senhor, isso é uma bênção. Vamos ser claros: queremos vinhos sãos, límpidos e não turvos, que expressem de facto o local de onde vieram as uvas e queremos também vinho que possamos beber durante 10 ou mais anos. Quem quer jogar no fio da navalha está no seu direito, quem quer fazer vinhos com defeito e o quer fazer passar por virtude também o pode fazer mas há que deixar de lado o proselitismo barato em que os maus e os bons estão separados pelos sulfitos. Eu, que até gosto de vinhos originais e fora do main stream, estou preocupado. Será que gostar de vinhos límpidos, bem feitos e que dão prazer a beber é agora pecado? Os vinhos crus, sem estrutura e álcool, imaturos e sem graça são o futuro? Espero que não. Até porque esses não espelham terroir algum. Ao lado de uma embalagem de fiambre, o vinho é o produto mais puro que existe, com mínima intervenção de químicos.

Sugestões da semana:
(Os preços, meramente indicativos, foram fornecidos pelos produtores)

Herdade Grande Grande Reserva branco 2018
Região: Reg. Alentejano
Produtor: António Lança
Castas: Viosinho, Rabigato e Arinto
Enologia: Diogo Lopes
PVP: €17
Marca de referência da Vidigueira, aqui numa versão com duas castas de fora da região. Fermenta em barrica (20% nova), estagia aí 10 meses. A propriedade, com 60 ha de vinha, está na família desde 1920.
Dica: verdadeiro branco de meia estação, encorpado, maduro na fruta mas com muito boa acidez a equilibrar o conjunto. Sirva a 11/12º.

Indígena Biológico tinto 2018
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Herdade do Rocim
Casta: Alicante Bouschet
Enologia: Catarina Vieira/Pedro Ribeiro
PVP: €11,75
Fermentou e estagiou 9 meses em cubas de cimento. A certificação biológica impõe algumas restrições nos tratamentos na vinha e condução dos vinhos na adega. A fermentação foi com leveduras indígenas.
Dica: muito expressivo na fruta vermelha e negra, com garra para ficar em cave mas ao mesmo tempo muito capaz para uma boa prova desde já.

Herança de Família Castelão Reserva tinto 2016
Região: Palmela
Produtor: Quinta do Monte Alegre
Casta: Castelão
Enologia: André Santana Pereira
PVP: €8
A casta Castelão é, de há muito, a grande referência da zona de Palmela, muito adaptada aos terrenos de areia da região. A empresa está há 4 gerações ligada ao vinho.
Dica: muito bom exemplar da casta, um tinto português de raiz. Temos vinho para 10 ou 15 anos.

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