Foi há já duas décadas que o Expresso publicou, na revista Única, uma reportagem sobre…
Portugueses entram na moda do gin
O gin não é novidade entre nós. Não só se vende há muitos anos como até existiram marcas portuguesas que fizeram história. A bebida e todo o show off à volta dela é que são bem mais recentes. E Portugal não perdeu o comboio. Gins portugueses? Ora conte aí que estamos a chegar aos 130…
Gin e zimbro são inseparáveis. Esta é a baga de um arbusto que, depois de lhe terem sido reconhecidas propriedades terapêuticas ao longo da História, se tornou o ingrediente básico e fundamental para se fazer o gin, bebida que começou por ter o nome de genebra, assim lhe chamavam os flamengos que a começaram a destilar. Mais uma vez – tal como o Vinho do Porto e Xerez, por exemplo, – foram os ingleses que se interessaram pela bebida, a destilaram furiosamente e a tornaram tão popular que iam embebedando toda a nação londrina à custa de tanto beberem. Corria o séc. XVII, a pobreza era muita, o gin era barato e a água era salobra. Estavam reunidas as condições para a bebedeira colectiva. Se a isto juntarmos os restantes ingredientes da desgraça – baixa estatura da população (1,68m os homens e 1,55m as mulheres), má nutrição e grande ingestão de álcool percebemos melhor o efeito devastador que teve. Mesmo de baixa qualidade, o gin de então era mais higiénico que a água e todos bebiam, homens mulheres e crianças. E com a subida dos impostos sobre a cerveja ainda mais razões havia para todos beberem gin. Chegou-se assim rapidamente às 1700 destilarias ainda no séc. XVII e 7000 estabelecimentos onde se vendia gin; nos inícios do século seguinte calcula-se que pelo menos ¼ dos londrinos trabalhava na produção daquela bebida. Calcula-se também que em 1733, só Londres produzia 50 milhões de litros de gin e que isso correspondia a cerca de 63,6 litros per capita.
A genebra continuou a ser exclusiva dos holandeses e apesar de conter zimbro é feita a partir de um álcool diferente do gin. Por isso não lhe chamam gin holandês mas sim genebra e a marca mais antiga – Bols (1664) – ainda continua a ser uma referência e está protegida pela legislação europeia.
Quando a estória mete guerras, marinheiros, gatos pretos, presidentes e rainhas…
Sem ir demasiado atrás nos baús da história à procura do cultivo e uso do zimbro, para o que nos interessa é suficiente colocarmo-nos no séc. XVII quando tropas inglesas estavam estacionadas nas terras que hoje pertencem à Holanda, combatendo o poderio e dominação espanhol. Foi ali que os ingleses tomaram contacto com a juniper, um destilado de zimbro, fortemente alcoólico e que as tropas holandesas tomavam antes das batalhas para dar energia e coragem. Por essa razão chamaram-lhe os ingleses a dutch courage. No regresso tentaram, ao que parece sem grande sucesso, replicar a bebida que tinham conhecido. Com os ingleses regressados vieram também muitos flamengos fugidos do conflito e foram também eles que ajudaram à divulgação da bebida na ilha britânica. Ao consumo desenfreado respondeu o governo com várias medidas legislativas, de que se destaca o Gin Act de 1751 que regulou o comércio e a relação entre destiladores e postos de venda. O consumo, esse, continuou exagerado – a época ficou conhecida por Mother’s Ruin, demonstrando o consumo exagerado sobretudo nas classes mais baixas. O Gin Act de 1751 empurrou para a marginalidade os pequenos produtores que, com o seu gin de baixa qualidade, inundavam as pequenas lojas e bares, estabelecimentos esses que se identificavam com um gato preto, ganhando o nome de Tom Cat. Entrou-se assim num período de produção clandestina, uma espécie de Lei Seca avant la lettre.
Nos bares, onde se bebia até ao coma alcoólico, havia quem deixasse testamento para que fosse enterrado num caixão que tivesse uma campainha dentro para no caso de acordar já no caixão. Nasceu assim a expressão “Saved by the bell”. Mas foi também a época em que nasceram empresas que perduraram no tempo, como a Gordon’s (1769), a Plymouth (1793) e a Tanqueray em 1830.
A entrada do gin no séc. XX fez-se pela porta grande e, da literatura ao cinema, o gin foi imortalizado, divulgado e adulado. Sempre se falou no gosto que a rainha-mãe de Inglaterra (falecida em 2002) tinha pelo gin que bebida todos os dias, normalmente num cocktail que incluía duas partes de Dubonnet e uma parte de gin, isto antes de almoço. Como o Dubonnet é uma bebida à base de vinho, com ervas, especiarias e fortificado com álcool, o cocktail com gin resulta bem alcoólico. Também Roosevelt era grande apreciador e ele próprio preparava alguns cocktails onde o gin e o Martini tinham lugar assegurado. Mas essa época de glória foi-se ofuscando e o gin chega ao final do século com um índice de popularidade muito baixo, ultrapassado pelo vodka. Foi já neste século que se deu o renascimento, a explosão de marcas e foi na segunda década que a essa explosão chegou a Portugal.
Em Portugal a febre também pegou
Entre nós a mania do gin, se assim e pode chamar, começou a ter mais expressão depois de 2010 e a onda da novidade chegou-nos via Espanha onde o gin ganhou estatuto de bebida de culto. Esta influência teve dois momentos: a renovação do perfil da bebida pela adição de vários botânicos no acto de servir e pela modificação da apresentação. De facto, se recuarmos até aos anos 80, 90 e 00, o gin era-nos servido num copo de tubo com uma proporção que não se afastava muito do modelo meio por meio, metade gin e metade água tónica. Ora foi exactamente aqui que se introduziram as modificações básicas: em vez do copo de tubo passou a usar-se um copo de balão de grandes dimensões e tudo se modificou: em primeiro lugar o teor alcoólico porque passou a usar-se 5 cl de gin com 20 cl de água tónica, proporção esta que baixou tremendamente o teor alcoólico da bebida. Há ainda que adicionar aqui o gelo que vai derretendo: em vez de apenas algumas pedras de gelo, o copo passou a ser cheio de gelo e essa quantidade fazia, naturalmente, com que derretesse mais lentamente. A decoração e a adição de botânicos tornaram a bebida visualmente muito mais cativante e conquistou-se assim muito mais público. Inovações radicais, como a rodela de pepino no gin Hendrick’s, vieram trazer novo interesse pela descoberta de novos aromas e sabores e novas marcas como Martin Miller. Este gin, como o nome do autor, resulta de uma obsessão pela perfeição e que, por exemplo, para desdobrar o seu gin (inlês) foi usar água da Islândia.
Com os ventos de Espanha a soprarem forte juntaram-se entre nós um conjunto de amigos apreciadores e fundaram a Gin Lovers em 2012 e tornaram-se uma empresa em 2013. Para celebrar criou-se o dia nacional do Gin tónico (o primeiro sábado a seguir ao solstício de Verão), celebrado pela primeira vez em 2013. Promovido pela Gin Lovers o dia do gin oferece descontos em bares e promoções em garrafeiras. A empresa chegou a ter uma revista trimestral mas não sobreviveu; dispõe agora de vários bares gin Lovers (ver site). Data também deste ano a criação da Paixão pelo Gin, ligada ao site www.gins.pt com intuito informativo e formativo, animado por Eduardo Ascensão que além de controlador aéreo é um apaixonado pela bebida. Ali se encontra um catálogo dos gins portugueses, sempre em actualização.
A proliferação de marcas portuguesas que têm nascido “como cogumelos” leva-nos a pensar que é fácil fazer um gin. Eduardo Ascensão confirma isso mesmo, até porque não é preciso ter um alambique para efectuar a destilação, pode chegar-se a um produto final apenas pela infusão de zimbro e outros botânicos no álcool. Também o tratamento que se dá ao álcool antes e depois da infusão pode facilmente originar produtos diferenciados. A Gin Lovers criou o Gin.Já em que é adicionado ao gin um licor de ginja de Óbidos e o NAO que é estagiado em cascos de Vinho do Porto. No lote dos gins portugueses existem imensas variedades e pode dizer-se que a produção está espalhada por todo o país, incluindo Madeira e Açores. O reconhecimento internacional também já chegou com prémios importantes no concurso de destilados promovido pelo Concurso Internacional de Bruxelas que nos últimos anos tem tido lugar na China. No conjunto dos gins nacionais merece especial destaque um que nasceu em Reguengos de Monsaraz – onde a marca também dispõe neste momento de um Centro Interpretativo do Gin. Segundo António Cuco, produtor do gin Sharish, este é o primeiro Centro deste tipo na Península Ibérica onde se fazem workshops, provas e se pode tomar contacto com os botânicos ao natural e em infusão. A marca tem tido uma enorme expansão, com a exportação a ter já peso significativo no negócio. A destilação abrange agora uma área de 1400 m2 (passou de um para quatro alambiques) e são sete as variedades de gin que ali são destilados. Eduardo Ascensão acredita que esta marca vende mais do dobro de todas as outras juntas. Alguns produtores de vinho estão também a entrar no negócio, como Tiago Cabaço (Alentejo), o Monte da Bica (produz o gin Bica e vinho com o nome da herdade, no Alto Alentejo) e a Quinta de Ventozelo (Douro).
Aos jantares vínicos estão a gora a suceder os jantares ginicos (com o sem acento???), apostando nos diversos tipos e no facto de alguns deles poderem ser consumidos sem adição de água tónica, como qualquer outro destilado. Há neste momento no mercado gins para todos os gostos e bolsas. Luis Dominges (Black Pepper and Basil) tem na loja produtos desde os 10 aos 50 €, com uma oferta de 80 marcas. Diz-nos que depois da febre dos botânicos, gerando gins ora mais florais ora mais frutados, houve um certo regresso aos clássicos e por isso Gordon’s ou Beefeater têm sempre procura.
Os botânicos são um mundo. Tal como as águas tónicas. Para Luis Domingues, um gin com uma forte presença do zimbro poderá ser provado com diversos tipos de água tónica para se perceber qual vai mais a nosso gosto; “a Schweppes tem umas seis variedades e as da Fever Tree chegarão às doze e isso permite múltiplas escolhas”, diz-nos. No livro Vamos Beber um Gin estão referenciadas 25 marcas de tónica. Muito por onde escolher. Eduardo Ascensão salienta que “para mim dois botânicos é mais do que suficiente e os que me parecem fundamentais são a raiz de angélica (uma variedade de lírio) e as sementes de coentros, além de alguns citrinos como casca de limão ou laranja”. Também nos diz que “ainda bem que não chegámos aos exageros dos espanhóis em que o gin mais parecia uma salada de frutas…”. Muito vistas nos botânicos a usar, as sementes de cardamomo e a pimenta rosa estão frequentemente presentes.
A febre parece estar para continuar. Jaime Vaz, da Garrafeira Nacional, após um período em que as vendas pareciam estar em queda nota que está a haver um novo impulso e continuam a entrar os clientes à procura de coisas novas. À data da nossa conversa na garrafeira estavam para chegar mais 40 marcas que tinha acabado de importar. De onde? De sítios tão exóticos como Vietnam mas também de Berlim, disse rindo. Arlindo Santos (Garrafeira de Campo de Ourique) está a sentir uma quebra no consumo e nota que “muitos clientes estão a voltar aos clássicos e mesmo os botânicos estão a vender-se menos nas lojas, as pessoas compram facilmente estes produtos nos supermercados”. Prognósticos sobre a próxima moda é que ninguém quer fazer. Rum? Tequila? Para já nada se descobre no horizonte pelo que é provável que o gin continue a reinar como bebida de convívio, da noite mas, sobretudo, como a grande bebida para tomar depois de chegar da praia, à soleira da porta em dias de Verão. Insuperável.
Gin – factos e lendas
Dada a antiguidade da bebida há muita informação que chegou até nós já sob a forma de lenda que nem sempre é possível confirmar. Para o caso que aqui nos interessa vamos assumir como boas as informações que nos chegam na literatura, mesmo que algumas tenham à sua volta alguma nebulosidade. Assim:
1. Sem zimbro não há gin. Esta é das tais verdades que todos assumem. Pode ter outros botânicos além do zimbro mas aquele deve ser sempre o sabor dominante na bebida.
2. Para ser gin tem de ter no mínimo 37,5% de volume de álcool. A partir deste patamar pode ter (e há muitos) uma graduação bem superior, nomeadamente os que se usam em cocktails.
3. A primeira região a produzir uma bebida – genebra – que se pode considerar pai e mãe do gin foi a Holanda, ou melhor, a zona flamenga que albergava a Holanda e parte da actual Bélgica. Chamava-se então à bebida – estamos no séc. XVII – a Dutch Courage.
4. Inicialmente o gin consumia-se puro sem mais acompanhamento.
5. Foram as tropas inglesas da British East Indian Company, que em 1825 terão adicionado uma água com gás ao tónico de quinino que tinham de tomar como preventivo da malária. Gin num copo, tónico no outro (com sabor muito difícil). A ideia foi então juntar o tónico com água e juntar ao gin.
6. Actualmente se se quiser usar a água tónica como preventivo da malária ter-se-ia de consumir 67 litros para que a quantidade de quinino pudesse fazer algum efeito.
7. Existem muitos que excedem o patamar dos 37,5% de álcool e há mesmo um – Navy Strength – que tem 57%. Os barris do gin iam no fundo dos navios de madeira (séc. XVII) ao lado da pólvora e descobriu-se que com aquela graduação mesmo que a pólvora se molhasse poderia ainda ser usada enquanto que com uma menor graduação a pólvora perdia a capacidade explosiva.
8. A Plymouth – empresa inglesa, situada na cidade do mesmo nome – é a companhia que mantém até hoje o seu Navy Strength e o Plymouth é um dos três gins existentes com Denominação de Origem Protegida.
9. Em Portugal produziu-se muito gin – Bosford, Tower of London, entre muitas outras marcas – mas muitas delas desapareceram do mercado. Sempre houve empresas que tinham a sua marca de gin, por norma as que também se dedicavam à produção de licores. Era o caso de algumas caves bairradinas.
10. London Dry identifica um tipo de gin e não necessariamente um gin feito em Londres. Para ter aquela designação deve cumprir 3 requisitos: alta qualidade do álcool usado e com muito baixo teor de metanol; todos os ingredientes têm de ser destilados com o gin; não pode levar rectificação posterior, a não ser o mesmo álcool ou água para baixar a graduação.
11. À data da elaboração deste texto (Julho) existiriam entre nós cerca de 127 marcas de gin nacionais e com 8 na calha para entrarem no mercado. Marcas estrangeiras entre nós serão mais de 400 mas é muito difícil de saber ao certo porque uma loja ou garrafeira pode fazer importação directa sem passar por um importador e por isso é impossível ter números exactos. No mercado internacional circularão cerca de 1700 marcas.
12. Os espanhóis são os maiores consumidores europeus e a febre do gin que nos últimos 5 anos assolou a Europa teve o seu epicentro em Espanha. Internacionalmente é nas Filipinas que mais se consome. Neste país asiático, a empresa Ginebra San Miguel, fundada em 1830, vende anualmente perto de 440 milhões de litros de gin.
13. As marcas mais famosas continuam a ser inglesas mas também existem com boa dimensão nos EUA (Seagram’s) e em Espanha (Larios). Os clássicos dos clássicos mantêm-se na primeira linha, como Gordon’s, Beefeater ou Tanqueray.
14. Muitos consumidores acreditam que o consumo de gin tem a vantagem de ser uma bebida sem açúcar. O amargo característico que ela apresenta não nos deve fazer esquecer que, quer o gin quer a água tónica têm açúcar e por isso há que estar atento.
15. Exactamente porque se serve actualmente o gin com muito gelo no copo, é aconselhável que se consuma a bebida no espaço de 15 minutos, evitando assim uma excessiva diluição.
16. Tem-se generalizado o hábito de servir o gin com a água tónica ao lado e é então o cliente que vai fazendo a sua diluição com mais gostar.
E para ficar a saber tudo
Existem entre nós dois sites de referência onde se pode ficar a saber mais sobre a história e tipos de gins portugueses:
www.gins.pt
www.ginlovers.pt
É possível encontrar aqui muitas receitas de cocktails onde o gin é parte integrante. A listagem exaustiva dos gins nacionais também está presente pelo que se aconselha a consulta.
A literatura é, como se imagina, imensa mas sugerimos aqui dois que conhecemos melhor:
Vamos Beber um Gin?
Miguel Somsen e Daniel Carvalho
Ed. Casa das Letras, 2015 (5ª edição)
Gin – A Global History
Lesley Jacobs Solmonson
The Edible Series, Reaktion Books, Londres 2013
Loja com muitos destilados, centro de formação, venda de equipamentos de bar:
Black Pepper & Basil
R. Tomas de Anunciação – Campo de Ourique
www.blackpepperandbasil.com
Compra:
Já os locais de compra são em número muito elevado mas a Garrafeira Nacional, em Lisboa, será provavelmente a que dispõe de mais gins portugueses. Também a Garrafeira de Campo de Ourique ou o Corte Inglés podem ser boas escolhas para adquirir e se informar sobre os diferentes tipos de gin disponíveis.
No Porto o Clubel del Gourmet do Corte Inglés é também um bom local para comprar.
JPM.
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