Setúbal dá um passo em frente Tal como tinha anunciado na semana passada é hoje…
A vitória do barro
E a moda já extravasou o Alentejo
Todos nós conhecemos melhor ou pior a história dos vinhos alentejanos feitos em grandes talhas de barro. A tradição é muito antiga e foi mantida até à actualidade por alguns produtores que insistiram em não deixar morrer aquela técnica. As talhas podem ser de variadas dimensões e não raramente atingem os 1000 litros de capacidade, o que as torna especialmente volumosas e difíceis de deslocar. Veja-se a fantástica sala de talhas da casa José de Sousa Rosado Fernandes, em Reguengos, para se perceber esta ideia da recuperação/preservação do património que falo. Para ser uma verdadeira talha que respeite as práticas antigas há que revestir o interior com resina (pez-louro) porque a porosidade do barro faria com que muito vinho se perdesse. O “pesgar” da talha pode seguir várias receitas e não há fórmula única. O resultado é que tem sempre alguns pontos comuns: os vinhos ficam com aromas resinosos, com muita rudeza e abundantes notas vegetais, muito distantes do tipo de perfume que se consegue nos vinhos modernos que captam a fruta das castas mantendo a fermentação a temperaturas controladas. A originalidade é que ninguém lhes tira e por isso devem também ser conhecidos. São os vinhos do nosso passado longínquo, por vezes apelidados de petroleiros quando juntavam na mesma talha uvas brancas e tintas, originando um “tinto apalhetado” para usar a terminologia de António Silva no filme Canção de Lisboa. Não se pode é cair na tentação de dizer que é um modelo de vinho a seguir e que só “aquilo” é vinho a sério. É o tipo de fundamentalismo que tem tudo de bacoco e nada de sério. À conta da preservação da técnica antiga assistiu-se também a um certo renascimento de castas que estavam quase condenadas no Alentejo, como a Moreto, a Rabo de Ovelha, Tamarez e Perrum. Entretanto a utilização do barro voltou a ser falada, não já porque os vinhos eram feitos em talhas antigas mas sim porque utilizavam ânforas de pequenas dimensões, de fabrico recente, para fermentar ou estagiar os vinhos. É assim uma resposta “moderna” às práticas antigas. Os romanos usavam as ânforas para transporte e agora há quem as use, adaptadas às novas técnicas de fermentação, com tampas de inox e outras “modernices” que dão imenso jeito. Não se espante assim que a ideia tenha sido adaptada por diversos produtores em várias regiões, desde a Bairrada (Filipa Pato) até ao Douro (o vinho que hoje sugerimos), além de muitos produtores do Alentejo. Estas não são as práticas mais radicais que temos por cá, uma vez que há quem esteja a usar técnicas que parecem saídas da pré-História. Ficamos assim a saber que nunca está tudo inventado e que há sempre a hipótese de se regressar ao passado, seja para o melhorar, seja para o adular. Ao consumidor fica, naturalmente a palavra final: se o resultado for bom e saboroso aplaude; se não, põe de lado. E quem vende tem de deixar de “achar” que o consumidor é parvo ou ignorante.
Sugestões da semana:
(Os preços referem-se à Garrafeira Empor, em Lisboa)
Fita Preta Branco de Talha 2017
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Fita Preta
Castas: Roupeiro e Antão Vaz
Enologia: António Maçanita
PVP: €19,90
Cor citrina muito viva mas aroma fortemente resinoso, austero e pouco falador. A excelente acidez cumpre depois a função.
Dica: é uma curiosidade, seguramente mais elegante que o dos nossos antepassados. Muito gastronómico.
Art.Terra Amphora tinto 2016
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Casa Agríc. Alexandre Relvas
Castas: Aragonez, Moreto e Trincadeira
Enologia: Nuno Franco
PVP: €13,95
Concentrado, não se evidencia a ânfora no aroma, está rico e com muito carácter.
Dica: muito harmonioso no conjunto, gordo, cheio e, claro, um sucesso à mesa.
Titan of Douro Estágio em barro tinto 2016
Região: Douro
Produtor: Luis Leocádio
Castas: vinhas velhas de castas misturadas
Enologia: Luis Leocádio
PVP: €42
Vinhas a 850 m já na fronteira sul do Douro. O final da fermentação e os 16 meses seguintes são passados em pequenas talhas de barro.
Dica: resulta muito interessante, textura rica com bastante concentração. A conhecer.
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