Dizer que temos uma garrafa em casa não chega Um dos vinhos que seleccionei esta…
A aventura na adega e o filete de polvo
Coisas dos vinhos, é bom de ver
Abro o livro Receitas de Reis e Pescadores (Casa das Letras, 2017) que me chegou há dias. As ditas parecem simples e algumas são escandalosamente acessíveis a qualquer amador. Retenho a dos panados de polvo e percebo que em 3 linhas temos todo o saber necessário para fazer um prato que seguramente vai agradar a todos. Fico a pensar que a comparação desta receita com as que vi noutros livros é imensa; algumas são preparações que exigem mestrado ou pós-gradução em segredos culinários, equipamento sofisticado e que têm tudo para correr mal. Nos vinhos também pode acontecer a mesma coisa: juntam-se umas uvas, pisam-se num lagar, ficam por lá a fermentar e depois o vinho vai para uma barrica que até nos pode ter sido dada por alguém que já não a quer. Passado algum tempo, uns 8 meses, vá lá, engarrafamos o vinho e pronto. Foi difícil ou muito sofisticado? Não foi. Visto por este prisma, o panado de polvo e o vinho têm pontos de contacto: com boa matéria-prima fazem-se coisas boas, não é preciso complicar. O pior vem depois ou, se se preferir, é no esmiuçar que tudo perde a simplicidade. O polvo tem de estar cozido para se fazer o panado mas…como cozê-lo? A que temperatura e durante quanto tempo? E com que tempero? Pronto, já estamos a tornar a coisa difícil. E o vinho? Leva sulfuroso ou não? Precisa de leveduras ou não? E a barrica, a ser usada, não será um covil de bactérias que nos podem estragar o vinho? Filtra-se? Cola-se? De facto, podemos trabalhar de várias maneiras mas as certezas dos resultados é que ninguém tem. Os efeitos podem ser bem diferentes e, no caso dos vinhos, as incertezas e os riscos podem ser grandes. Vale a pena corrê-los? Do ponto de vista de um amador é claro que vale, na cozinha e na adega: se ficar rijo come-se na mesma e se o vinho ficar com alguns defeitos, os amigos, exactamente por o serem, tudo vão desculpar. Mas o cozinheiro profissional, que tem de assegurar panados irrepreensíveis que façam os clientes voltar e o enólogo que quer que o consumidor repita a compra, têm de ter outros cuidados. Há quem fique muito admirado quando se apercebe de toda a parafernália de equipamento que uma cozinha profissional exige e da sucessão de imensos pormenores técnicos e sensoriais que estão associados a um grande vinho. Ambas as profissões convergem num mesmo objectivo que é a perfeição do produto final e isso exige minúcia e atenção a todos os pormenores. Lembro-me de um gastrónomo meu grande amigo me ter dito que Alain Ducasse, o multi-estrelado Chef francês, costumava dizer que talvez uns 90% dos clientes não sabem o que estão a comer e uma percentagem semelhante não sabe o que bebe. No entanto o Chef dizia que, pelo preço que cobrava, tinha obrigação de proporcionar duas horas inesquecíveis aos clientes. Com os vinhos é a mesma coisa: quem paga caro deve exigir perfeição e não experimentalismo. A escolha final é de quem paga a conta.
Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)
Cartuxa tinto 2015
Região: Alentejo
Produtor: Fundação Eugénio de Almeida
Castas: Aragonez, Alicante Bouschet e Trincadeira
Enologia: Pedro Baptista/Duarte Lopes
PVP: €19
Deste rótulo fazem-se centenas de milhar de garrafas. Um sucesso justificado junto do público.
Dica: clássico alentejano, quente, maduro, cheio e polido mas sem perder elegância.
Duas Quintas Reserva tinto 2016
Região: Douro
Produtor: Ramos Pinto
Castas: Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta da Barca
Enologia: Teresa Ameztoy
PVP: €30
Esta é já uma marca clássico do Douro com quase 30 anos de existência. Consistência e longevidade são as suas características.
Dica: Muito harmonioso mas bem estruturado, é sempre um grande sucesso à mesa.
Mouchão tinto 2013
Região: Alentejo
Produtor: Vinhos da Cavaca Dourada
Castas: Alicante Bouschet e Trincadeira (menos de 20%)
Enologia: Paulo Laureano
PVP: €42,50
Este tinto é quase uma instituição alentejana. É no Mouchão que o Alicante Bouschet melhor se expressa, rústico mas aqui amaciado pela Trincadeira.
Dica: gastronomia regional sim, guarda em cave, ainda melhor.
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