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A aventura dos vinhos dos Açores

Vinhos improváveis cheios de história

Quem se passeia na ilha do Pico junto ao mar e olha para o interior vê, ao longo de toda a zona costeira e até à cota 200, uma zona cerrada de mata rasteira. O que o passeante não vê (e se calhar não acredita) é que por baixo dessa mata se escondem as curraletas, os muros de pedra que dividiam as propriedades e protegiam as vinhas. Esses muros que lá estão, intactos, resultam de simples pedras colocadas umas sobre as outras sem qualquer massa que as ligue. Parecem (e são frágeis), empurram-se com um dedo mas resistem aos ventos mais fortes e aos sismos. É quase inacreditável. A história da ilha está intimamente relacionada com a cultura da vinha e produção de vinho. Antes da chegada da moléstia do oídio (1852/53) existiriam uns 6000 ha de vinha na ilha mas à data da classificação da Unesco, em 2004, não seriam mais de 120 de vitis vinifera; existiam mais vinhas mas eram de produtor directo, conhecido como vinho americano. Sendo muito pobre em recursos hídricos a ilha desde sempre se dedicou prioritariamente à produção de vinho em detrimento da criação de gado. O que aconteceu depois da classificação da Unesco foi uma revolução: alargou-se tremendamente a área de vinha, desmatou-se para reactivar curraletas e houve um renovado interesse nas castas autóctones: Arinto dos Açores, Terrantez do Pico e Verdelho, tudo castas originais. Há mais em fase de renascimento como a tinta Saborinho mas a primeira produção foi apenas simbólica. Um dos motores desta renovação foi a Azores Wine Company (AWC) criada em 2014 e que inclui três sócios – António Maçanita, Filipe Rocha e Paulo Machado – todos com ligações familiares às ilhas, e que iniciaram um processo de recuperação de curraletas, com aquisição e aluguer e com a colocação de vinhos no mercado a preços que os picarotos achariam improváveis. Os vinhos são (merecidamente) caros e as uvas passaram também a ser pagas a preços muito elevados, fazendo delas (de longe) as uvas mais caras do país: em 2013 a cooperativa local pagava o Arinto e Verdelho a €1,20; em 2018 o Arinto foi pago a €3,60, o Verdelho a €4,70 e o Terrantez a €4,80. O resultado foi um aumento do cultivo – hoje há 370 produtores – e a vinha passou dos 120 ha em 2004 para os actuais 700 e continua a crescer. Como um todo os Açores, com vinhas também em S. Miguel, Terceira e Graciosa, representarão cerca de 1000 ha. Só para comparação, diga-se que a Madeira não vai além dos 450 ha de vinifera. A AWC está a construir uma adega de raiz a funcionar já na próxima vindima. A viticultura é muito difícil e o desmatamento obriga ao recurso a químicos para se conseguir plantar um pé de vinha. Algo de inevitável num ambiente hostil. A tradição impôs também um vinho licoroso seco, feito no Pico, muito original mas muito agreste e difícil. A ele voltaremos mais tarde mas, para já, vamos provando os brancos. Diferentes, originais, tensos e afastados de modas. Nem mais.

Sugestões da semana:
(Os preços dizem respeito à Garrafeira Empor, em Lisboa)

Arinto sur lies branco 2017
Região: Açores
Produtor: Azores Wine Company
Castas: Arinto dos Açores
Enologia: António Maçanita
PVP: €33,90
A variedade de Arinto é realmente açoriana e proporciona brancos cheios de carácter.
Dica: abundam a fruta branca e as notas florais. Um vinho com imenso potencial de vida em cave.

Verdelho o Original 3 ilhas branco 2017
Região: Açores
Produtor: Azores Wine Company
Casta: Verdelho
Enologia: António Maçanita
PVP: €25
Lote de uvas de 3 ilhas: Pico, 20% Graciosa e 10% S. Miguel
Dica: acidez marcante, notas minerais e alguma salinidade conferem-lhe grande riqueza.

Terrantez do Pico branco 2015
Região: Açores
Produtor: Azores Wine Company
Casta: Terrantez do Pico
Enologia: António Maçanita
PVP: €45
Um branco mais complicado, mais sério e em fase de transição. Mais presente em S. Miguel.
Dica: um vinho a conhecer, até pela raridade já que a casta é mesmo local.

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