Já é possível algum balanço da vindima de 24 À hora desta crónica “vir a…
O eterno retorno
Práticas antigas, modas actuais
A produção de vinho tem conhecido nos últimos anos uma enorme convulsão. Estamos a falar de todo o ciclo produtivo, desde a vinha e da produção das uvas até à adega, digamos mesmo, até o vinho entrar na garrafa. Muita dessa revolução beneficiou dos novos conhecimentos transmitidos pela investigação científica. O que se sabe hoje sobre a cepa, a interacção com o solo, a influência do sol e do clima no desenvolvimento da planta e as reacções dessa planta à forma como foi podada e conduzida, o que a deixaram (ou não) produzir, a selecção clonal a que foi sujeita, tudo isso faz com hoje seja possível obter uvas mais sãs que originarão vinhos mais limpos, mais fiéis ao local onde nasceram e que envelhecerão com nobreza. A revolução prolongou-se na adega, com a instalação dos sistemas de frio para controlar a fermentação, as cubas de inox, as barricas novas quer para fermentação de brancos quer para estágio de tintos, tudo ou quase tudo se modificou desde os anos 80. Mas estes avanços são sempre acompanhados por movimentos de sentido contrário que vão buscar à tradição a inspiração para os vinhos de hoje. Foi assim que vimos renascer o interesse pelos lagares com pisa a pé, pelos vinhos fermentados em talha ou estagiados em ânfora, foi assim que surgiram os defensores da fermentação em cubas de cimento não revestido (como existiam em todas as adegas nos anos 60 e 70), foi agora que se redescobriram as virtudes das cubas de cimento em forma de ovo. No regresso à terra e à vinha, voltámos e ver cavalos a puxar arados para os trabalhos agrícolas, pulverizações com preparados à base de plantas ou com estrume de vaca sujeito a preparação muito complexa. Com o tempo, aprendemos que andámos décadas a dar cabo dos solos, que os herbicidas e pesticidas usados “à bruta” iam matando toda a vida existente no subsolo, no fundo a riqueza que justifica o termo “terroir”; sem subsolo rico e organicamente saudável não vale a pena falar de tipicidade, originalidade ou outro termo identitário do local: primeiro há que respeitar e depois esperar que dali surja algo inimitável. Estamos assim em fase de “retorno às origens”, mesclado entre um racionalismo clarividente e um certo tipo de fundamentalismo, muito justamente já apelidado de “terroirismo”. Há então quem queira fazer passar vinhos com defeito como vinhos autênticos, vinhos turvos como produtos únicos de lavrador e vinhos sem futuro (e já com pouco presente…) como dádivas de uma agricultura mais esclarecida, quando não de inspiração divina. Temos assim que o retorno às origens se faz por boas e más vias. O problema não é haver diferentes maneiras de trabalhar – o que é saudável – mas, antes, a convicção quase religiosa daqueles que me querem fazer crer que estou em pecado por ter mais prazer em vinhos limpos e sem defeitos, que me darão prazer hoje e daqui a décadas. E já que estamos em ambiente religioso, é caso para dizer: dos enochatos, livrai-nos, Senhor!
Sugestões da semana:
(Os preços, salvo a excepção indicada, referem-se à Garrafeira Empor, em Lisboa)
Adega 23 Primeira Colheita branco 2017
Região: Reg. Terras da Beira
Produtor: Adega 23
Castas: Verdelho, Arinto, Viognier e Síria
Enologia: Rui Reguinga
PVP: €12,50
Um branco da Beira, aqui a conjugar castas locais e vindas de fora.
Dica: bem conseguido diálogo entre as castas, resulta muito agradável e gastronómico.
Pousio Selection rosé 2017
Região: Reg. Alentejano
Produtor: Herdade do Monte da Ribeira
Castas: Aragonez, Trincadeira, Touriga Nacional
Enologia: Nuno Elias/Luís Duarte
PVP: €6,50 (preço do produtor)
Muito bonito na apresentação com cor salmonada e aromas muito atractivos de groselha e framboesa.
Dica: funcionará bem em três momentos: como entrada, com aperitivos e pratos de peixe.
Tyto Alba Castelão estagiado em barro tinto 2016
Região: DOC do Tejo
Produtor: Companhia das Lezírias
Casta: Castelão
Enologia: Bernardo Cabral
PVP: €12,25
O vinho estagiou em ânforas de barro durante 11 meses. A casta é tradicional na região.
Dica: aberto na cor, ganhou aromas terrosos mas sempre num registo elegante. A conhecer.
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