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Lavradores e mitos
Quando a memória nos estraga o paladar…
Poucas frases terão um impacto tão forte junto dos consumidores como a que nos diz que “este é do lavrador”. O “este” tanto diz respeito a vinhos como a aguardentes (normalmente bagaceiras) ou azeites. A frase tem maior repercussão nos citadinos que têm uma costela rural, aqueles que ainda vão “à terra” buscar batatas e azeite ou que têm familiares a viver no campo. Continua a ser raro encontrar, na capital por exemplo, um lisboeta que não tenha família no campo e, mais raro ainda, que seja a terceira ou quarta geração de alfacinhas. Quase todos (onde me incluo) têm ou tiveram família a viver em ambiente rural. Por força, creio, do ideário do Estado Novo, criou-se a ideia da pureza e autenticidade de tudo o que vem do campo, dos produtos não tratados quimicamente, dos sabores de outrora, etc. Em boa verdade o campo nunca foi, pelo menos na segunda metade do séc. XX, o repositório de virtudes que aquela ideologia propagandeava, uma vez que se usavam muitos químicos, alguns deles que fariam hoje corar os adeptos dos produtos biológicos ou todos os que defendem o ambiente (lembram-se do DDT e o 605 Forte?). Sendo certo que alguns produtos eram bem mais saudáveis, resultavam de fermentações mais naturais – como o pão – ou cresciam sem hormonas e outras malandrices técnicas – como animais de capoeira – a verdade é que o vinho “americano” era mau, o azeite feito sem cuidados era um repositório de defeitos, desde o cheiro a tulha até mofo e acidez elevadíssima e a aguardente bagaceira, destilada sabe-se lá como e sem conhecimentos técnicos, chegava a ser, sem que o consumidor disso se apercebesse, um produto perigoso para a saúde. Sabemos que a melhor bagaceira é feita a partir de bagaços de vinho tinto e que, a ser produzida a partir de bagaços de branco, tal obriga a uma fermentação desses mesmos bagaços antes da destilação, o que origina valores de metanol (álcool que se gera durante a destilação) elevadíssimos e, ainda mais grave, tais bagaços feitos sem os devidos cuidados e análises, geram um composto – 2 butanol – que pode, no limite, gerar cegueira. A lei diz que são aceitáveis teores de metanol de 1000 gr por hectolitro de álcool puro – trata-se de uma legislação permissiva uma vez que aqueles valores deveriam ser bem mais baixos – e o 2 butanol obriga a teores baixíssimos para que a bagaceira não faça mal à saúde. Ora isto vem a propósito da tal frase “esta é do lavrador”, quando aplicada a bagaceiras servidas em restaurantes, produtos sem nome, sem rótulo, sem certificado analítico. É caso para então dizer: não muito obrigado! Nada contra o lavrador, tudo contra a tolerância com a mediocridade pelo facto de trazer um selo rural, pretensamente bucólico e puro. Como será difícil pedir ao lavrador/destilador as análises laboratoriais das bagaceiras (porque não as fez), o melhor mesmo é pedir uma aguardente vínica, menos atreita a problemas deste tipo.
Sugestões da semana:
(Os preços foram fornecidos pelos produtores)
Duas Quintas branco 2017
Região: Douro
Produtor: Ramos Pinto
Castas: Rabigato, Viosinho e Arinto
Enologia: Teresa Ameztoy
PVP: €11
O aroma assenta na fruta madura, com a acidez a arrebitar o conjunto.
Dica: para a mesa com prato de bom tempero, filetes de peixe ou mesmo cataplanas.
Monólogo Avesso branco 2017
Região: Vinho Verde
Produtor: A & D Wines
Casta: Avesso
Enologia: Fernando Moura
PVP: €7,50
O lado de vegetal seco é muito evidente, com algum floral a marcar presença.
Dica: envolvente, macio, leve doçura residual, muito gastronómico, o que é típico do Avesso.
Quinta do Monte d’Oiro Lybra tinto 2015
Região: Reg. Lisboa
Produtor: José Bento dos Santos
Casta: Syrah
Enologia: Graça Gonçalves
PVP: €10
Aberto na cor e muito expressivo no aroma, um tinto polido, com as fichas todas na elegância.
Dica: mais do que pronto a consumir, é um tinto todo-o-terreno para pratos de carne. Sucesso pela certa.
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