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Apressadinhos nas conclusões, preguiçosos nas premissas

Difícil mesmo é fugir às generalizações. E já nem falo da estafada frase do “temos os melhores vinhos do Mundo”, estou a pensar num outro patamar mas onde também, com frequência, se pode cair em falso.

O negócio do vinho modificou-se nos últimos 30 anos. Em muitos casos para melhor. Melhorou a qualidade, melhorou a comunicação, melhorou a imagem e melhorou a forma como o produto chega e como chega ao consumidor, ou seja, o marketing hoje sabe fazer melhor o que lhe compete. Quadro idílico? Era bom mas, como todos sabemos, o negócio é muito difícil, exige investimentos constantes, a concorrência é agora enorme e, como dizia um produtor alentejano, a melhor maneira de arranjar uma pequena fortuna no negócio dos vinhos é…começar com uma grande fortuna. Apesar do panorama não ser, então, muito bonitinho, a verdade é que o consumidor tem hoje acesso a vinhos de boa qualidade em todos os patamares de preço. É aqui que me quero focar. Sabemos, quer pelas provas que na Vinho – Grandes Escolhas fazemos há muitos anos, quer pelas que faço para o meu guia de vinhos, que o patamar de preço entre os €4 e os €10 é uma zona onde temos produtos de inegável qualidade, o que sugere que é não preciso gastar muito para se ter acesso à qualidade. Há 30 anos também havia vinhos baratos que eram bebíveis mas, e aqui é preciso gritar muitos Vivas, a nossa percepção de qualidade é hoje bem mais exigente do que então era e isso levou a que a qualidade se tenha tornado obrigatória em qualquer patamar de preço.
Criou-se assim a ideia que, nesta gama, somos imbatíveis, mesmo em termos internacionais, ou seja, se quiséssemos gastar apenas €9 ou 10 beberíamos muito melhor em Portugal do quem França, por exemplo. Não sei se há culpados desta nossa mania mas seguramente os vinhos de Bordéus e da Borgonha muito contribuíram para isso. Explico: Bordéus é uma região imensa com 8000 châteaux produtores, dos quais, com sorte, saberemos o nome de algumas dezenas, provámos alguns e outros talvez já tenhamos ouvido falar. Tudo junto damo-nos conta que nos faltam conhecer/provar 7900 châteaux, o que não é montante pequeno. Com tanta oferta e uma fama tão grande que assenta em séculos de promoção, Bordéus tem de tudo, do extraordinário ao vulgar e, no patamar que nos interessa, as desilusões são muitas. Na Borgonha a situação é ainda mais gritante: muito pressionada pela procura e sem novas áreas de cultivo que pudessem trazer qualquer mais-valia à região, os borgonheses começaram a plantar vinha onde desde sempre se soube que não era terra para cepas e, com a fama que tem, consegue vender caro o que deveria ser barato. Ganhámos assim alento para dizer, de peito cheio: abaixo de €10 nem os franceses nos ganham! Pois não é bem assim e mais uma vez se prova que é sobretudo da ignorância que nos chega a soberba. A França, não por acaso, é o maior produtor mundial e não há canto onde não encontremos vinha. Isto quer dizer que há inúmeras regiões demarcadas que nem o nome conhecemos, muitas castas que nos são totalmente alheias e uma miríade de pequenos produtores de que não sabemos a existência. Ora, em muitas destas zonas produtoras, exactamente porque não são suficientemente famosas, ou porque os chineses ainda não as descobriram ou por outras razões também válidas, a verdade é que se encontram bons vinhos no patamar que nos interessa. Ainda recentemente, tendo ficado alguns dias em Paris em apartamento que permitia cozinhar, percebi isto mesmo: o grupo com quem estava não se mostrava disponível para grandes gastos vínicos, a casa não tinha copos à altura e assim sendo, “bora lá” comprar vinhos em conta. E a surpresa chegou rapidamente, com vinhos entre os 5 e os €10 a darem muito boa conta de si e, atenção, de algumas zonas mais faladas, como as Côtes-du-Rhône ou Chinon, para além do Languedoc e Roussillon onde se produzem muitos milhões de litros que alimentam os franceses que, esses, há muito já perceberam que para beber um grande Bordéus ou Borgonha há que abrir os cordões à bolsa e que tal nem sempre é oportuno ou conveniente. O petit vin, nome pejorativo usado pelos bordaleses para classificar tudo o que não é famoso e de château de nome, esse petit vin é hoje um produto que segue as nossas regras: é bem feito, é agradável de beber, dá prazer à mesa e é muito convivial. Por isso há que ter cautela nas afirmações definitivas. Somos bons neste patamar? Somos sim senhor! E no seguinte, diga-se, entre 10 e €15 também? Pois é verdade e, se calhar, ainda mais competitivos. Mas deixemo-nos de nacionalismos atávicos que o resto do mundo não anda a dormir na forma.

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