Foi há já duas décadas que o Expresso publicou, na revista Única, uma reportagem sobre…
Dois dedos de conversa – E por este vinho dou quanto?
Revista de Vinhos
Esta é uma questão sempre difícil de responder, já que depende de muitos factores, como seja a disponibilidade financeira do comprador. Cada um tem a sua zona de conforto em termos de gastos e por isso o consenso é aqui difícil de atingir.
Apesar destas dificuldades é difícil resistir à tentação de colocar uma questão deste tipo a um painel de provadores, pedindo que cada um diga quanto estaria disposto a pagar por este ou aquele vinho. A mais recente tentativa vem explicada no número de Novembro da revista La Revue du Vin de France. Juntaram-se vinhos que tinham em comum o facto de serem todos da casta Pinot Noir, todos franceses mas de regiões diferentes. Embora se saiba que a pátria daquela casta é a Borgonha, ela não deixa de estar presente noutras regiões francesas, sendo assim passível de uma prova comparativa. Os vinhos em prova tinham preços muito diferentes, dos €13,50 aos €130 por garrafa (preços départ propriété). Naturalmente que estavam presentes alguns vinhos da Borgonha, daqueles que ainda não atingiram preços demenciais, mas também de outras regiões conhecidas como a Alsácia, Loire, Jura e ainda de algumas que a nós pouco nos dizem e nem no mapa as conseguimos localizar facilmente, como sejam Irancy les Mazelots, Haute Vallée de L’Aude ou a IGP des Cévennes Pinôt. A Borgonha está na moda, hoje os vinhos Appellation Village têm preços que há 20 anos eram os de alguns Grand Cru e por isso há uma bolha especulativa que afecta os nomes mais famosos. No preço que se pede por um vinho, qual a parte que corresponde à fama da região (assunto forte na Borgonha mas que por cá também se coloca, ainda que em menor proporção), à fama do produtor e à qualidade do vinho? São questões como esta que justificam uma prova deste tipo. E aos provadores, naturalmente em prova cega, o que se pedia apenas era: quanto estaria disposto a pagar por este Pinot Noir?
Pioneirismo da Revista de Vinhos
Há alguns anos também a revista inglesa Decanter levou a efeito uma prova deste tipo, a dizer-nos que esta é uma preocupação do consumidor e um desafio para quem prova. De memória lembro-me que no caso da revista inglesa os vinhos foram agrupados por grandes famílias de preços e por isso um vinho de 10€ nunca apareceria ao lado de um de 60; se bem me lembro, os grupos eram deste tipo: até 15€, de 15 a 40€ e mais de 40€. Eu acho estas provas interessantes e a Revista de Vinhos foi pioneira na organização de uma prova deste género. Não consegui descobrir o número da revista mas foi bem antes do euro e por isso se falarmos de 20 anos não estaremos muito longe da verdade. Na altura a prova foi polémica, hoje seria polémica de novo, já que ninguém que tem o seu vinho a 40 € na prateleira gosta que um grupo alargado de provadores diga que só estaria disponível para pagar 10… E o nosso grupo era deveras alargado: painel da Revista de Vinhos, distribuidores, produtores, homens da restauração, consumidores, donos de garrafeiras; talvez uns 20 ao todo. Lembro-me que estivemos “muito à frente” quando solicitámos que um matemático criasse um modelo de análise dos resultados que permitisse uma leitura mais correcta. Explica-se depressa: se o PVP de um vinho é 15 e eu digo que por ele dou 20, são 5 euros de diferença mas, se noutro caso, o vinho custar 40 e eu disser 45 também são apenas 5 € ainda que percentualmente a diferença seja grande. Não se pode assim olhar linearmente para os resultados.
No caso da revista que tenho em mãos, os resultados são apresentados de forma curiosa e interessante: o valor mais baixo que algum dos provadores atribuiu, o mais alto, o preço médio e o PVP à porta da adega. O que o leitor pode estar já a pensar é que quem prova atribui sempre um valor mais baixo do que o vinho tem na realidade mas, engane-se, tal não é sempre assim. E não foi assim na nossa prova de há 20 anos quando o vinho mais caro em prova (um Reserva Especial da Ferreirinha) foi aquele que maioritariamente os provadores atribuíram um valor mais elevado. A conclusão foi então clara: o preço estava justo porque todos lhe reconheceram a qualidade intrínseca; uma qualidade que foi percebida pelo consumidor. A polémica existiu porque houve quem não gostasse de ver o seu vinho cotado abaixo do valor real. Em boa verdade não há razão para esse descontentamento. O preço final do vinho é feito, todos sabemos, pelo consumidor: se o vinho se vende o preço está certo e nenhum produtor descarta a hipótese de vender mais caro se souber que tem comprador para o seu vinho. Há assim um valor da qualidade intrínseca e um reconhecimento desse valor (que depois traz normalmente associado o nome do produtor) que autoriza a que se venda mais caro. Os exemplos que poderíamos aqui enumerar são muitos, do Barca Velha ao Pêra Manca, do Vinha Maria Teresa ao Luís Pato Pé franco. Esses, sabem-no os produtores, e nós também, não devem ser vinhos a incluir numa prova assim. Já vinhos de pequenos produtores (tantos que existem no Douro, por exemplo…) que apesar da qualidade do vinho não têm venda para ele, poderiam sair-se muito bem, com o reconhecimento que por vezes injustamente lhes é negado. E quem diz Douro diz outras regiões.
Os resultados da prova da revista francesa foram bem curiosos, com vinhos que custam 50 e 60 € e que houve quem lhes atribuísse 10 e 15 mas também um Chambolle-Musigny 1er Cru do Domaine Perrot-Minot que custa 130€ à porta da adega e que houve quem lhe atribuísse 150. Vencedor, vencedor talvez mesmo (e muito inesperadamente) um Pinot Noir do Loire, o Domaine Daniel Crochet (Sancerre) com um preço médio atribuído pelo júri de €92 quando custa 17 à porta da adega. Imagino que tenha sido uma festa em casa do Daniel!
Talvez noutros moldes mas é possível que a Revista de Vinhos regresse a uma prova deste tipo. Por mim continuo a achar que é de grande valia, desde que bem estruturada.
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